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MÚSICA ERUDITA
Morena histérica manda pedir a cabeça do profeta enjaulado
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A cabeça era boa. Trazida na
baixela de prata, de olhos fechados e cabelos escorridos, encarnava o fetiche supremo da musa da histeria. Já o beijo não foi tão
sexy assim. Entre a potência dos
símbolos -redobrada no erotismo da música de Richard Strauss
(1864-1949)- e uma relativa impotência do drama -na adaptação operística da peça de Oscar
Wilde (1854-1900)-, esta nova
montagem de "Salomé" se esforça para encontrar seu tom.
Estréia tem direito a desconto.
Seria injusto reclamar do desajuste de tempos que comprometeu a
última cena, sexta-feira no Municipal, com os panos vermelhos
cobrindo o mundo de horror enquanto a princesa é esmagada pelos soldados. Ou dos trombones
em crise justamente quando o
profeta grita para a tentadora morena: "Tu estás amaldiçoada!".
O profeta está dentro de uma
jaula, um globo da morte que é a
grande invenção da diretora Ana
Carolina. Conhecida como a cineasta de "Amélia" , entre outros
filmes, ela tocava no pioneiro
conjunto Musikantiga. Com um
currículo desses, era de esperar a
Salomé das Salomés -provavelmente incapaz de encarnar fora
da imaginação.
Além de altas, magras e sensuais, as cantoras líricas agora
também são etnicamente corretas, sem ironia. O mínimo que se
pode dizer da soprano inglesa
Morenike Fadayomi é que é uma
morena capaz de atormentar um
santo. Mas sua anunciada sensualidade não chega a explodir nem
vocal nem dramaticamente. Canta e dança com fluência, mais do
que com liberdade.
Entende-se a opção de Ana Carolina: contra as falsidades, a estilização. Uma espécie de homeopatia, que se ajusta bem ao modernismo kitsch de Strauss.
No caso do tenor Wolfgang
Schmidt (Herodes) e da mezzo
Céline Imbert (Herodíade), isso
funciona, tanto mais que os dois
cantam tão bem. Quase imóvel,
dentro ou fora do globo, o barítono Donnie Ray Albert também é
um centro de energia. Mas, para o
conjunto semi-estático funcionar,
não seria preciso uma Salomé
metralhadora-sexual-giratória?
"A lua parece uma mulher alucinada à procura de seus amantes", diz o rei Herodes, chegando
à aridez das dunas do cenário. Será? Estava tão calma no céu. Já a
Sinfônica Municipal se equilibra
na fortíssima onda: cem minutos
de alucinação, que o maestro Ira
Levin dirige sem correr riscos.
Salomé sem riscos é pouco? Pode ser, mas a ópera é uma enormidade, o esforço investido foi tremendo, e assistir a essa obra-prima ao vivo é um privilégio maior
do que qualquer ressalva.
Salomé
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, SP, tel. 0/xx/11/222-8698)
Quando: hoje, às 20h30; sáb., às 17h
Quanto: de R$ 15 a R$ 100
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