São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Luana (à esq.) com Elke: "Dizem que ela sou eu amanhã; tomara mesmo que eu seja assim"

Luana Piovani interpreta Elke Maravilha quando jovem no filme que conta a história de Zuzu Angel

Às mil maravilhas

Uma dúvida aflige a atriz Luana Piovani: seria o terrorista Osama Bin Laden o Jesus Cristo do terceiro milênio? Quem disse isso a ela foi Elke Maravilha, sua nova grande amiga. Luana vai interpretar Elke no filme "Zuzu Angel". Elke era modelo e amiga da estilista Zuzu.

Segunda-feira, 24. As duas estão em Juiz de Fora para filmar as cenas finais do longa. Almoçam no restaurante de um hotel. Elke conta uma história atrás da outra. "Ah, adoro o Bin Laden", diz. Luana afirma que, quando Elke revelou a ela que o terrorista pode ser Jesus, passou mal. "Eu sou cristã pra caramba. Foi me dando uma volta na barriga... Eu falei: meu Deus do céu, meu Jesus! Caraca! Eu tô esperando Jesus e não é que ele já tá bombando por aqui?" Só não entrou de cabeça na tese da amiga porque, diz, "eu creio muito no bem".

Elke cita a Bíblia: Mateus, 10, 34: "Não julgueis que vim trazer paz à terra. Não vim trazer-lhe paz mas a espada. Porque vim separar o homem contra o seu pai, e a filha contra sua mãe". Palavras de Jesus. Poderiam ser de Bin?

Elke saboreia um steak tartar. Declama poemas. Fala de religião, de filosofia, da vida. "Somos todos corruptíveis. Ou não?" Luana concorda. "Ah, eu sou, facinho", diz. Ao lado delas está Patrícia Pillar. Ela será Zuzu no filme.

Elke lembra de sua história com a estilista. Década de 70. Zuzu denuncia o desaparecimento do filho, Stuart Angel, militante de esquerda morto pela repressão. Escreve a artistas, políticos, intelectuais. Entrega um dossiê a Henry Kissinger. Faz comícios em aviões, em desfiles. Desafia a ditadura militar. Elke acompanha seu martírio.

Certo dia, no aeroporto Santos Dumont, no Rio, vê militares colando cartazes: "Terroristas procurados". Sob a inscrição, uma foto de Stuart Angel. "É o filho da Zuzu! Eles mataram, agora põem cartaz procurando?" Elke faz escândalo. Arranca os cartazes. Discute com os militares. Fala palavrões. "Eles [militares] detestam palavrão. Eles são finos!", diz. "Baixou o russo em mim, sabe? [seu pai, George Grunupp, era russo]"

Elke vai presa. Fica seis dias no cárcere. "Bobagem. Meu pai passou seis anos na Sibéria no tempo do Stálin, foi considerado traidor da pátria. Coitadinho do [ex-presidente] Médici...", diz, irônica. "Eu passava lápis verde nas sobrancelhas, maquiagem e ia para os interrogatórios. Eu tinha medo. Mas não podia arregar pra essa gente."

Seu passaporte foi apreendido. Sua nacionalidade, cassada. "Virei apátrida, amada", explica. Nunca regularizou a situação. "Ah, meu amor, eu não. Ia ter que entrar na Lei da Anistia , confessar culpa. Só porque rasguei um cartaz?" Elke tem orgulho: "Quem é apátrida no mundo, meu bem? Pouca gente. Eu sou." Como o pai, George, que perdeu a nacionalidade russa.

Já Luana não sabia quem era Zuzu antes de ser convidada para o filme. "Me deu até vergonha. Moro há dez anos no Rio, vi o túnel [Dois Irmãos] mudar de nome para túnel Zuzu Angel, mas não conhecia a história."

Depois do almoço, as atrizes seguem para o cabaré Sayonara. É lá que será gravada a cena em que Zuzu (Patrícia Pillar) e Elke (Luana) vêem o espetáculo da cantora alemã Lieselotte (Elke Maravilha).

São maquiadas num prédio ao lado da boate. Patrícia liga seu iPod. Cantarola Roberto Carlos. "(...)Te dar meu corpo, depois do amor, o meu conforto...". Elke pergunta a Luana: "E aí, Elkinha, papou direitinho?". E Luana: "Papei e ainda dei uma chapadinha". Elke faz o sinal, com as mãos, de quem bebe. "Também vou dar uma chapadinha. Ah, vou! É de lei, né?".

Elke, por ser apátrida, não vota. Mas teria ajudado a eleger Lula em 2002. "Sabe quando eu saquei que ia melar? Quando o Lula tomou posse e chorou. Eu falei: "Ihh! Ai, ai..." É aquilo: homem que chora e mulher que jura é mentira pura." Luana concorda: "Eu abomino a idéia de ele ser reeleito. Tô totalmente decepcionada."

Elke, 60, comenta que já casou oito vezes (Sacha, o atual marido, é 27 anos mais novo que ela). "E meus casamentos duraram!". Quer dizer, mais ou menos: "Teve um que era psicopata e durou só dois meses". Risos. Luana, 29, fica surpresa com tanto matrimônio: "Cara, acho que não vou casar nunca".

Elke diz que deixa os maridos "totalmente soltos". "É a melhor receita, meu bem", diz Luana. A atriz tenta ligar para o namorado, Ricardo Mansur. Deixa recado. "Oi, more. Achei que você já tivesse chegado. Eu ligo mais tarde, tá?" Como ela tem se adaptado ao universo de Mansur, a elite paulistana? "Os jovens são tão vazios, cara!", diz. Os velhos são "mais engraçados". E o namorado está mudando. "Ele fez tatuagem, rastafari. E tá adorando."

Prontas para filmar, as duas vão até o cabaré. O lugar é espelhado, com mesas forradas por toalhas vermelhas. O diretor do longa, Sérgio Rezende, criou a personagem Lieselotte (o nome da mãe de Elke), uma cantora alemã, para que ela tivesse participação especial no filme. Elke canta. Em alemão. Luana, Elke quando jovem, traduz. "Nos quartéis eles esperam/ Nos quartéis eles são treinados/ Sempre foi assim e nunca termina/ Com meninas bonitas eles sonham/ As meninas bonitas eles têm que abandonar."

Elke diz que é bom envelhecer. "Não tem problema. Agora, eu vou ficar muito triste se um dia não conseguir chamar a atenção de ninguém." Naquele dia, as filmagens se prolongaram até quase 5 horas da manhã. Elke agüentou firme. No fim dos trabalhos, estourou uma garrafa de champanhe que trouxe a Juiz de Fora para comemorar.


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