São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2008

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O bando de Lázaro

O Bando de Teatro Olodum, em que se formou Lázaro Ramos, divide a cena com o ator na série "Ó Paí, Ó", que estréia amanhã na Globo; a seguir, o grupo faz mostra de repertório no Rio, com "Sonho de uma Noite de Verão" e outras

Márcio Lima/Divulgação
Cena da montagem de "Sonho de uma Noite de Verão" pelo Bando de Teatro Olodum

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Em 2000, o ator Lázaro Ramos deixou o regime de dedicação exclusiva a seu grupo de teatro em Salvador, o Bando de Teatro Olodum, para encenar a história de um jovem que traz o mundo aos pés da amada para que ela não parta-"A Máquina", peça que o lançaria à fama.
Seis anos depois, trilhou a rota inversa: com o filme "Ó Paí, Ó" (baseado em peça homônima que o Olodum montara em 92), levou o Bando ao mundo.
O reencontro se estende à TV a partir de amanhã, quando estréia na Globo (às 23h20) a série em seis episódios "Ó Paí, Ó". No programa, Lázaro e os antigos companheiros de palco atualizam o cotidiano dos habitantes de um cortiço à la "Balança, mas Não Cai" do Pelourinho, no centro histórico da capital baiana. Muito mudou por ali desde a concepção dos personagens, nos anos 90:
"A série já traz esse Pelourinho de mercado, mais prostituído, onde foi feita uma limpeza étnica. Os moradores, que eram a vida daquele lugar, foram expulsos, e se criou uma Disneylândia colonial para turista", diz Marcio Meirelles, co-criador e diretor do Bando, que iniciou a preparação do grupo para a série, mas se afastou do projeto ao assumir a Secretaria de Cultura do Estado.
Com 18 anos de estrada e quase 25 montagens no currículo, o Bando vai bem além de "Ó...". Já visitou Büchner ("Woyzeck"), Heiner Müller ("Medeamaterial"), Brecht ("Ópera dos Três Mirréis") e Cervantes ("Um Tal de Dom Quixote"), sempre buscando interfaces com ritos, danças e ritmos da cultura negra -matriz de todos os integrantes.
No Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, cuja primeira edição termina amanhã, o coletivo mostrou sua reinvenção em technicolor de "Sonho de Uma Noite de Verão", de Shakespeare. A peça integra, com "Ó...", "Áfricas" e "Cabaré da Rrrrraça", a mostra de repertório que a companhia faz no Rio, em novembro.

Polêmica
De 97, "Cabaré" marcou uma virada na dramaturgia do Bando, até então voltada para figuras marginalizadas. "Cheguei para o elenco com a pergunta: qual é o personagem que pode aparecer na revista "Raça" que você gostaria de fazer? Pela primeira vez, mostrávamos a moda, o glamour, um novo negro brasileiro", lembra Meirelles.
À época, a decisão do grupo de oferecer meia-entrada a negros causou celeuma:
"Virou um escândalo nacional, mas gerou exatamente o que queríamos: aumentar o número de pessoas negras na platéia de teatro na Bahia. Havia uma pesquisa que indicava que, naquele período, somente 1% do público de teatro baiano era negro, ainda que 80% da população de Salvador fosse dessa raça. Hoje, temos quase 60% de platéia negra", diz o diretor.
Para ele, esse descompasso tinha a ver com a dificuldade da população negra em se ver refletida em cena. Daí o estímulo para fundar o Bando:
"Sentia um grande vazio de representação negra no palco brasileiro. As religiões de matriz africana são tão ricas cenicamente e dramaturgicamente que me perguntava por que isso nunca virara teatro. O rito do candomblé, as festas em homenagem aos orixás são, tirado o caráter sagrado, espetáculos."
Essa matéria-prima, no processo de criação da companhia, dá origem a improvisações do elenco, que deságuam em personagens e cenas mais tarde editados por Meirelles. Na preparação para a peça "Ó, Paí, Ó", em 91, a fórmula quase desandou. "O elenco brigou comigo, disse que estava louco, que queria ridicularizá-los", recorda Meirelles. Mais um pouco e o mundo não via o Bando.


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