São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

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Um livro melhora com o tempo, diz Oz

Autor israelense tem romance "Uma Certa Paz" publicado no Brasil após 28 anos do lançamento no exterior

Escritor afirma que toda a sua literatura é metapolítica: aborda o tema, sem carregar uma mensagem definida

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Um descanso certo" seria a tradução literal do título do livro de Amós Oz. Trata-se de um trecho da Bíblia, que roga por um descanso merecido.
Em português, a tradução optou por "Uma Certa Paz", o que, como o autor comenta na entrevista abaixo, foi correto. A ambiguidade, em que a palavra "certa" indica correção e indefinição, existe também no hebraico.
E essa ambiguidade se encontra no kibutz onde vivem Ionatan, Iulek e Azaria. Ionatan está cansado das concessões do kibutz e quer abandoná-lo. Iulek, seu pai, é um antigo pioneiro, doente, mas ainda idealista. Na entrevista abaixo, Oz fala sobre a decadência do modelo de kibutz, sua visão sobre a Israel atual e seu método de trabalho.

 

Folha - Qual é o significado de publicar um livro tantos anos depois de sua criação?
Amós Oz -
Um livro é como vinho, melhora com o tempo. Considero o kibutz o melhor experimento social do mundo. Estão em decadência, porque Israel também se tornou capitalista, não há mais espaço para o kibutz.

Em outra entrevista, o senhor disse que Israel estava se tornando mais triste. Mantém essa opinião?
Não se pode generalizar nada sobre Israel. Jerusalém não é Israel. É um país triste, sim, mas Tel Aviv é uma cidade viva, secular e lá as pessoas estão mais otimistas. A maior parte do país não vive em Jerusalém, que está se tornando fanática.

Ionatan é um exemplo de desilusão e Azaria, de confiança, mas também de vaidade e ingenuidade. Mesmo assim, o senhor diz que são gêmeos.
Eles partilham os mesmos sonhos e são o retrato de Israel. Tenho carinho pelos sonhadores messiânicos, que ainda acreditam no país. Mas me identifico pessoalmente com Srulek, o musicista transgressor.

O senhor considera que todo romance é político?
Minha literatura é metapolítica. Os personagens discutem política, mas o livro não carrega uma mensagem específica. Se quero escrever sobre isso, escrevo um artigo e mando ao governo. Escrevo o mesmo artigo há 50 anos, mandando o governo para o inferno, mas eles não me obedecem. Não foram para o inferno. Se quero escrever uma história, escrevo um livro.

Israel é um país muito tomado por conflitos internos. É possível pensar em paz enquanto eles existirem?
Os conflitos internos não são tão graves, porque não há derramamento de sangue. Israel é um país conflituoso. Há uma piada: no primeiro ano de chegada, um imigrante reclama do governo. No segundo ano, reclama dos israelenses. No terceiro, ele reclama dos novos imigrantes, que querem tudo numa bandeja de prata.

Ionatan sempre diz que tem medo de perder sua hora. Que hora é essa?
Estamos sempre temendo perder algo em outro lugar e não sabemos o que é. Se soubéssemos, não teríamos medo e não sentiríamos falta.

O senhor ainda se definiria como um "apagador"? Alguém que apaga mais do que escreve?
Sim, eu apago mais do que escrevo. Faço mais de 15 versões de um livro. Vou apagando até a versão final. Escrevo tudo à mão e, no final, digito com dois dedos. Não uso o computador para nada.

UMA CERTA PAZ

AUTOR Amós Oz
TRADUÇÃO Paulo Geiger
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 51 (400 págs.)


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