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MEMÓRIA
Ofélia e minha mãe
especial para a Folha
Não vinha acompanhando os
programas da Ofélia ultimamente.
Para falar a verdade, muito antes
de deixar a casa de minha mãe, há
sete anos, já não via mais aquela figura familiaríssima e não tão simpática na tela.
Ela morreu na segunda, e mal tive tempo de lastimar o evento com
minha mãe. Se foi uma pioneira na
TV, estreando ainda nos anos 50,
importa pouco. Se era melhor que
os colegas que a seguiram -era-,
questão de somenos. Importa que
não verei mais minha mãe anotando no primeiro papel que encontrar -lembro-me bem de envelopes usados- aquelas receitas.
Minha mãe começou a assistí-la
no começo dos 70, quando receitas
culinárias eram também expediente para a liberdade de imprensa. Não com Ofélia, de cujo trabalho era muito ciosa. Tempos (minha mãe puxa pela memória) do
programa da Xênia.
Xênia, doutor Gaiarsa, Maria Tereza Grégori, todos mais ou menos
se mantiveram ao longo daqueles
anos, e, depois de longas interrupções, alguns ainda conseguiram
aparecer nos 90. Ofélia, enquanto
isso, não fazia forfait, seguia sem
interregnos.
Apesar de Ofélia sugerir receitas
caseiras, minha mãe nem sempre
tinha os ingredientes requeridos.
Reclamava que eram caros -e
Grégori, enquanto Ofélia picava a
salsinha, os recitava, e alguns também patrocinavam o programa.
Minha mãe se lembra de ter feito
um bolo formiga, um bolo ao rum,
um "frango ao inferno", receitas
de Ofélia. Um empadão de frango,
uma das primeiras que viu Ofélia
ditar -e a batedeira que a apresentadora usou para dar curso à
massa patrocinava o programa.
Nesse tempo Ofélia sugeriu a minha mãe que colocasse batata no
arroz. "Ficou pesado, vocês não
comeram", disse minha mãe.
Num desses dias, ela tirou por
instantes a sintonia da Rede Vida,
e, com surpresa, deu com Ofélia na
TV. "Ih, essa chata!", fez.
Não que não gostasse dela. O
problema é que Ofélia, três anos
mais velha que minha mãe, já era
como uma cunhada, quem sabe
um espelho, quem sabe inspirasse
sentimentos díspares de solidariedade, comiseração, lamento pelo
passar dos anos.
(PAULO VIEIRA)
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