São Paulo, sexta, 30 de outubro de 1998

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MEMÓRIA
Ofélia e minha mãe

especial para a Folha

Não vinha acompanhando os programas da Ofélia ultimamente. Para falar a verdade, muito antes de deixar a casa de minha mãe, há sete anos, já não via mais aquela figura familiaríssima e não tão simpática na tela.
Ela morreu na segunda, e mal tive tempo de lastimar o evento com minha mãe. Se foi uma pioneira na TV, estreando ainda nos anos 50, importa pouco. Se era melhor que os colegas que a seguiram -era-, questão de somenos. Importa que não verei mais minha mãe anotando no primeiro papel que encontrar -lembro-me bem de envelopes usados- aquelas receitas.
Minha mãe começou a assistí-la no começo dos 70, quando receitas culinárias eram também expediente para a liberdade de imprensa. Não com Ofélia, de cujo trabalho era muito ciosa. Tempos (minha mãe puxa pela memória) do programa da Xênia.
Xênia, doutor Gaiarsa, Maria Tereza Grégori, todos mais ou menos se mantiveram ao longo daqueles anos, e, depois de longas interrupções, alguns ainda conseguiram aparecer nos 90. Ofélia, enquanto isso, não fazia forfait, seguia sem interregnos.
Apesar de Ofélia sugerir receitas caseiras, minha mãe nem sempre tinha os ingredientes requeridos. Reclamava que eram caros -e Grégori, enquanto Ofélia picava a salsinha, os recitava, e alguns também patrocinavam o programa.
Minha mãe se lembra de ter feito um bolo formiga, um bolo ao rum, um "frango ao inferno", receitas de Ofélia. Um empadão de frango, uma das primeiras que viu Ofélia ditar -e a batedeira que a apresentadora usou para dar curso à massa patrocinava o programa.
Nesse tempo Ofélia sugeriu a minha mãe que colocasse batata no arroz. "Ficou pesado, vocês não comeram", disse minha mãe.
Num desses dias, ela tirou por instantes a sintonia da Rede Vida, e, com surpresa, deu com Ofélia na TV. "Ih, essa chata!", fez.
Não que não gostasse dela. O problema é que Ofélia, três anos mais velha que minha mãe, já era como uma cunhada, quem sabe um espelho, quem sabe inspirasse sentimentos díspares de solidariedade, comiseração, lamento pelo passar dos anos. (PAULO VIEIRA)


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