São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 2005

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SABATINA FOLHA

Ator com 60 anos de carreira nos palcos dispara contra diretores, o governo Lula, a Rede Globo, críticos teatrais e jornalistas

Autran não perdoa ninguém e agrada a todos

Jefferson Coppola/Folha Imagem
Paulo Autran, entre o jornalista Nelson de Sá e a atriz Lígia Cortez, é aplaudido ao final da sabatina, anteontem no Teatro Folha


DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Autran não perdoou ninguém e agradou a todos. Este é o saldo da 9ª Sabatina Folha, que ocorreu na tarde de anteontem, no Teatro Folha, em São Paulo, e tinha o melhor ator brasileiro vivo de sua geração em atividade como centro das atenções. Aos 83 anos e 60 anos de carreira, o carioca formado em direito falou elegantemente mal de tudo e de todos e, ao final, uma hora e 49 minutos depois, foi ovacionado de pé, aos gritos de "Bravo!".
Além de José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho e Gerald Thomas, a santíssima trindade de diretores teatrais brasileiros (leia à dir.), sobrou para Lula, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, o jornalista Paulo Francis (1933-1997) e a crítica teatral. Leia a seguir os principais momentos da conversa, em que Autran respondeu a perguntas da platéia e da mesa, composta por Lígia Cortez, atriz e diretora de escola de teatro, o diretor e dramaturgo Aimar Labaki, o crítico da Folha Sergio Salvia Coelho e Nelson de Sá, titular da coluna "Toda Mídia", da Folha.
 

CRÍTICA - O crítico, hoje em dia, é capaz de julgar um espetáculo, mas não sabe o que é uma inflexão absolutamente original, que leve a platéia a uma gargalhada ou a um auge de emoção, dado por um tom. Tenho impressão de que eles não têm mais ouvidos para isso. Às vezes, leio elogios a interpretações monocórdicas, unilaterais. Os críticos não percebem a riqueza que a interpretação de um papel pode ter. Vocês me desculpem falar isso na frente de vocês. A crítica não se interessa, não se importa mais por certas coisas do teatro que continuam sendo essenciais para um espetáculo.

CRISE POLÍTICA - Atualmente, chama-se democracia no Brasil uma coisa tão terrível, não é? Tão vergonhosa para a gente, tão terrível. A gente vê os políticos brasileiros envolvidos em escândalos do tamanho que nenhum brasileiro jamais pensou que pudesse atingir. A democracia brasileira, no momento, está muito por baixo. Vamos ver se a próxima eleição resolve alguma coisa, porque a última foi uma decepção total (aplausos).

GILBERTO GIL - O Gil está ganhando muito dinheiro, tem cantado no mundo inteiro, tem encantado multidões, mas, no Brasil, não consegui saber o que ele fez, não. Acho que ninguém da classe teatral sabe o que ele fez. (aplausos). [Sobre o governo Lula] Vocês já viram o que penso e acho, é o que a maioria de vocês pensa e acha também.

PUBLICIDADE NA TV - Não faço porque não me convidam, pagam muito bem, é ótimo. Vejo esses anúncios aí dos bambambãs da TV atualmente, digo: "Puxa, ganhou dinheiro, ficou rico com esse comercialzinho". Fernanda Montenegro ganha uma fábula com cada comercial que faz. Não sei, não querem velho fazendo anúncio, não têm me convidado. Quando convidam, peço uma importância tal, não pagam.

PAULO FRANCIS - O Paulo Francis era muito amigo da Tonia Carrero, do marido dela, o Adolfo Celi (1922-1986), de mim. De repente, nas críticas, começou a escrever: "Tonia Carrero, muito sexy". Noutra: "Tonia Carrero continua sexy". Os críticos elogiavam, ela ganhou prêmios. Para Francis, ela era uma atriz sexy. Certa vez, ela foi entrevistada na TV e lhe perguntaram sua opinião sobre o crítico Paulo Francis. E ela: "É o crítico mais sexy do Brasil". Os atores são vaidosos, mas os críticos são mais. O Francis ficou tão irritado que escreveu um artigo contra a Tonia, intitulado: "Tonia Carrero sem peruca". Dizia barbaridades. Inclusive: "Não dormi com Tonia porque não durmo com mulheres da idade de minha mãe".
O Celi mandou avisar que ia quebrar a cara do Francis. Eu fui com ele a um teatro onde o Francis ensaiava uma peça. De repente, o Celi chega com a mão sangrando. "O que foi isso?", perguntei. "Eu arranquei os óculos do Francis e quebrei, cortei a mão." Então, mandei recado a ele que, quando o encontrasse, iria cuspir na cara dele. Um belo dia, eu fazia uma peça em que entrava só na cena final. Vi o Francis na platéia, ao lado do [ator] Ítalo Rossi. Esperei, fiz a minha cena e, quando o público saía, cheguei junto do Francis, chamei e, quando virou, dei-lhe uma cusparada. Ele estava de óculos, e o cuspe escorria. Cuspi com prazer.

PRÓXIMOS PLANOS - A minha próxima peça, que vou começar a ensaiar em julho, é "O Avarento", de Molière, um texto divertido, com aquela crítica deslumbrante que faz às pessoas comuns e aos burgueses, como se diz hoje. Além de continuar fazendo o programa de rádio, escrevi um livro, atuei num filme... Ando saracoteando um pouco demais para a minha idade.


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