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LITERATURA
Em biografia recém-lançada, Ruy Castro refuta tese de que visual da cantora teria sido imposto por Hollywood
Livro derruba mitos sobre Carmen Miranda
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Há cinco anos, ao começar a
pesquisar a vida de Carmen Miranda para uma biografia a que se
dedicaria com exclusividade a
partir de abril de 2003, Ruy Castro
ainda considerava plausíveis alguns mitos em torno da vida da
cantora. Agora, ao lançar "Carmen - Uma Biografia", poucos
desses mitos ficaram de pé.
O cruzamento de dezenas de
entrevistas com pesquisas em jornais e arquivos pessoais derrubou
para sempre uma série de lendas.
Mas, para Castro, essa operação,
em vez de diminuir a "pequena
notável", aumenta seu tamanho.
"Um dos orgulhos que esse livro
me dá é que espero ter conseguido mostrar que Carmen foi praticamente a inventora da música
popular brasileira como cantora.
Ela inventou um jeito brasileiro
de cantar. E já chegou pronta aos
Estados Unidos. Na verdade, ela
já estava pronta em "Taí'", exalta
Castro, 57, referindo-se ao sucesso de 1930 que transformou Carmen de anônima em estrela em
um Carnaval.
O jornalista derruba no livro a
idéia superficial de que o estereótipo eternizado por Carmen teria
sido uma imposição de Hollywood. Afinal, "O Que É Que a
Baiana Tem?" surgiu em um filme
brasileiro de 1938, "Banana da
Terra", e, nele, Carmen, orientada
por Dorival Caymmi, já se valeu
de indumentária e trejeitos parecidos com os que internacionalizaria a partir do ano seguinte.
"O que houve foi uma exacerbação do personagem", assinala
Castro, lembrando que não aconteceu com Carmen nada muito
diferente do que acontecia com
astros e estrelas norte-americanas. "Spencer Tracy e Humphrey
Bogart, por exemplo, faziam sempre o mesmo tipo. As pessoas já
sabiam o que iam ver. Carmen
ainda conseguiu falar em português nos filmes. Perdeu algumas
batalhas, mas ganhou outras."
Os filmes estrelados pela cantora são normalmente associados à
"política da boa vizinhança", estratégia de aproximação cultural
(com fins comerciais) dos EUA
com a América Latina idealizada
por Nelson Rockfeller e apoiada
pelo presidente Franklin Roosevelt. Segundo Castro, eles até podem ter colaborado para o plano,
mas não começaram por causa
dele.
"Não tenho nada contra as teses, mas meu negócio é conferir
datas. Quando Carmen filmou
"Down Argentine Way" ("Serenata
Tropical'), Rockfeller ainda estava
planejando a "política da boa vizinhança". Ainda não era uma política de Estado, mas um estado de
espírito. E, dos grandes estúdios,
só a Fox, porque tinha Carmen, e
a RKO, que era de Rockfeller, fizeram produções com esse espírito.
Não houve imposição do governo" diz Castro.
Duas lendas ambientadas no
Cassino da Urca também foram
aterradas por Castro. A primeira
dizia que Lee Shubert, o empresário mais importante da Broadway, tinha visto um show de Carmen por acaso e que, impressionado, decidira contratá-la.
Impressionado ele ficou, mas,
como provam cartas do acervo de
Shubert que Castro consultou, pedira uma reserva no cassino já
alertado de Carmen poderia interessá-lo. "E o que ele fazia era teatro de variedades, no qual uma
brasileira como Carmen poderia
se encaixar bem", diz o jornalista.
A segunda lenda, mais famosa,
tratava das vaias que ela sofrera ao
se apresentar na Urca em 15 de julho de 1940, logo após retornar de
sua primeira e muito bem-sucedida temporada norte-americana.
"Não ouvi de ninguém e não li
em lugar nenhum que houve vaia.
Houve gelo. Mas era uma platéia
formada em boa parte por gente
do governo Vargas, que na época
estava próxima do fascismo e do
nazismo. Como iam achar graça
em Carmen dizendo "good night,
people" e cantando "South American Way'? E ela ainda estava resfriada", afirma Castro, que contou com depoimentos de quatro
pessoas presentes ao cassino naquela noite.
Dois meses depois, Carmen voltaria ao mesmo palco e seria fartamente aplaudida por uma platéia
mais afeita ao seu repertório, então já atualizado com respostas
como "Disseram que Eu Voltei
Americanizada", especialmente
composta por Vicente Paiva e
Luiz Peixoto.
Situações como essa reforçaram
para Castro a importância de contextualizar as fases da vida de Carmen. Ao ver, por exemplo, que ela
morou entre os 6 e os 16 anos em
uma Lapa que começava a ser a
Lapa, recheada de artistas, malandros e prostitutas para todos os
cacifes, ele concluiu que essa paisagem deve ter influenciado muito o comportamento da cantora.
E ela ingressou na carreira exatamente quando do estouro do rádio, do samba e das marchinhas,
áreas das quais se tornou dona.
Dos homens da vida de Carmen, Castro fala em detalhes de
nomes, número e desempenhos.
Aloysio de Oliveira, que poderia
ter sido marido, mas não quis ser,
não sai bem do livro. David Sebastian, "caça-dotes e biscateiro"
que cavou cargo e o conquistou,
também não, mas deixa de ser o
"assassino" de Carmen, como
costuma ser considerado.
"Ela já tomava estimulantes e
barbitúricos antes. E também já
bebia. Ele foi uma facilidade a
mais, já que também era alcoólatra e queria que ela trabalhasse
muito para ganhar dinheiro", explica Castro. Ele garante, mais
uma vez, que esta é a última biografia que escreve.
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