São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006

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Crítica/"Olhar Estrangeiro"

Tom acusatório de documentário comprova apenas o óbvio

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Muita gente diz que a verdade não existe, mas alguns fatos são indubitáveis. Não há praia na cidade de São Paulo, nossa língua não é o espanhol, topless não é rotina por aqui. Coisas assim aparecem todo o tempo em filmes como "Orquídea Selvagem", de Zalman King, e "Feitiço do Rio", com Michael Caine.
"O Olhar Estrangeiro" reúne uma saborosa coleção de clichês sobre o Brasil. Cenas de uma espécie de pornochanchada francesa com Roberta Close ("Si Tu Vas à Rio, Tu Meurs", de Philippe Clair) ou do obscuro filme sueco "Sällskapsresan", de Bo Johnson, servem para que a diretora Lúcia Murat prove, comprove e reprove o óbvio.
A saber, que o Brasil é visto como um lugar exótico, cheio de praias e mulheres belíssimas. A tese se repete ao longo do documentário, como um requisitório que se esfrega na cara dos entrevistados, muitos simpaticíssimos, politicamente corretos e bastante desconcertados pela atitude simploriamente agressiva da diretora.
Por que não escolheram um ator que falasse português sem sotaque? Não percebem que tudo é estereótipo? Hope Davis, atriz de "Próxima Parada, Wonderland", pede desculpas.
Robert Ellis Miller, diretor de "Brenda Starr" (em que Brooke Shields, personagem de HQ, faz esqui aquático sobre jacarés), precisa explicar que o mundo dos "comics" não é real. Com ironia, Michael Caine diz que, se quisermos nos livrar dos clichês, a saída seria enfear as mulheres. Outra sugestão seria recomendar a Murat que, em vez de sair de dedo em riste contra diretores de terceiro time, entrevistasse com igual audácia autores da Globo. Todos diriam que operam com estereótipos: de industriais, operários, padres, franceses ou brasileiros.
Experiências sutis poderiam ser tentadas com o material: contrastá-lo com a vida real, registrar as reações de brasileiros ao vê-lo, mostrar se a realidade do país, mesmo em produções fantasiosas, aparece. Murat preferiu a obviedade acusatória. Descobriu a América.


OLHAR ESTRANGEIRO  
Direção:
Lúcia Murat
Produção: Brasil, 2005
Quando: pré-estréia hoje, 21h30, no Reserva Cultural; em cartaz amanhã


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