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CONTARDO CALLIGARIS
O poder da reza
Mistério: estudo mostra que uma reza retroativa ajudou pacientes anos depois da internação
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UM AMIGO médico, Décio
Mion, me fez conhecer um
estranho debate que ocupou,
de 2001 a 2003, as páginas do seríssimo "British Medical Journal".
Premissa: várias pesquisas, há
tempos, mostram os efeitos positivos da reza numa variedade de condições patológicas. Documenta-se
que o doente encontra benefícios
(quanto ao andamento de sua enfermidade) no ato de rezar ou na consciência de que seus próximos rezam
por ele. Até aqui, tudo bem: o paciente acharia assim uma paz de espírito que melhora sua evolução.
A coisa se complica: às vezes, as
pesquisas mostram que a prece traz
benefícios mesmo quando alguém
reza por um doente sem que ele próprio saiba disso. Como explicar esses casos?
Talvez o benefício seja
fruto de uma intervenção caridosa
da divindade solicitada, mas essa explicação depende de um ato de fé
que não cabe na interpretação de
uma pesquisa científica. Além disso,
é curioso que os benefícios apareçam seja qual for o deus ou o intercessor que receba a oração.
Resta, pois, imaginar que a intenção humana (o esforço cerebral de
quem deseja que algo aconteça e reza por isso) tenha alguma realidade
material (energia, partículas etc.)
capaz de influir no andamento de
um processo patológico. Estranho?
Nem tanto: afinal, até poucas décadas atrás, ignorávamos a existência de uma série de partículas que,
segundo a física de hoje, povoam
nosso universo. Por que as nossas
intenções não movimentariam uma
energia desconhecida, mas capaz de
alterar o mundo físico? Nos EUA,
nos anos 60-70, foram organizadas
reuniões diante da Casa Branca com
a idéia de que, se todos se concentrassem, a energia do dissenso faria
levitar a residência do presidente
americano. Embora cético, participei, convencido por um amigo que
dizia: "Tentar não dói". Claro, não
funcionou.
Ora, no fim de 2001, o "British
Medical Journal", depois de um editorial lembrando que a razão não explica tudo, publicou uma pesquisa,
de L. Leibovici (BMJ, 2001, 323),
que registra os efeitos benéficos (em
pacientes com septicemia) de uma
reza afastada não só no espaço, mas
também no tempo. Explico.
Foram incluídos no estudo todos
os pacientes internados com septicemia, de 1990 a 1996, num hospital
israelense; eram 3393. Em 2000 (de
quatro a dez anos mais tarde), por
um processo rigorosamente aleatório, os arquivos desses pacientes foram divididos em dois grupos: um
grupo pelo qual haveria reza e um
grupo de controle. Para cada nome
do primeiro grupo, foi dita uma breve reza que pedia a recuperação do
paciente e do grupo inteiro.
Resultado: no grupo que recebeu
uma reza em 2000, a mortalidade
foi (ou melhor, fora, de 90 a 96) inferior, embora de maneira pouco significativa; no mesmo grupo, a duração da febre e da hospitalização fora
(ou melhor, havia sido, de 90 a 96)
significativamente menor.
A publicação da pesquisa provocou uma enxurrada de cartas (BMJ,
2002, 324), algumas contestando as
estatísticas, outras manifestando
uma certa incompreensão do problema, que é o seguinte: como entender que uma reza possa agir não
só sem que o paciente tenha consciência da intercessão pedida (com
possível efeito psicológico positivo),
mas à distância no tempo? Como
entender, em suma, que uma reza
dita em 2000 tenha um efeito retroativo em alguém que estava
doente entre 90 e 96, quando a pesquisa e a reza nem sequer estavam
sendo cogitadas?
Uma tentativa de resposta veio em
2003. O "BMJ" (2003, 327) publicou um interessante e enigmático
artigo de Olshansky e Dossey, "History and Mystery" (história e mistério), em que os dois médicos dão
prova de conhecimentos de física
quântica muito acima de minha cabeça. O argumento de fundo é o seguinte: há modelos do espaço-tempo nos quais é possível que haja relações físicas entre o passado e o presente (ou seja, modelos em que o
presente pode alterar o passado).
Que o leitor não me peça para explicar como isso aconteceria. As dimensões do "espaço de Calabi-Yan"
e os "campos bosônicos", para mim,
são tão obscuros quanto os ectoplasmas, os espíritos e os milagres.
Moral da história: embaixo do sol
(ou da chuva), deve haver muito
mais do que imaginamos, até porque
nossa ciência está longe de ser acabada. Alguns colegas positivistas talvez durmam mal com esse barulho.
Eu não acredito nas paranormalidades, mas, em geral, durmo melhor
ninado pelo mistério do que pelas
certezas.
ccalligari@uol.com.br
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