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São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2003

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MÚSICA

Ex-modelo italiana Carla Bruni conquista admiração na estréia em CD e diz querer exibir "a alma sem vender o corpo"

Voz "fashion" desfila a fuga da vaidade

DO "EL PAÍS"

Depois de vender mais de meio milhão de discos com seu primeiro álbum, "Quelqu'un m'a Dit", Carla Bruni, 35, deixou de ser uma modelo que canta e se tornou uma cantora que, no passado, trabalhou como modelo.
Letras inteligentes, arranjos adequados e uma voz rouca e acariciante a um só tempo explicam o sucesso de uma mulher que fala com a mesma convincente franqueza sobre os homens que seduziu e a tristeza que acompanha a fragilidade do sucesso profissional. Em meio a uma turnê de promoção de seu disco, a italiana nascida em Turim descobre agora a outra faceta de seu novo ofício.
"Comecei escrevendo canções para os outros, especificamente para Julien Clerc, e logo me convenceram de que poderia cantar meus temas, que aquilo que eu fazia diante de uns poucos amigos podia agradar a mais gente", explica pela enésima vez, mas com o entusiasmo da primeira.
"Cantar e compor me agrada muito, comecei a fazê-lo antes de estrear como modelo. Em minha família há uma grande tradição musical, mas nunca quis pensar que gravar um disco poderia significar a obrigação de cantar ao vivo. É algo contraditório para quem viveu mais de 15 anos na passarela, mas não gosto de me exibir. Queria exibir minha alma sem vender meu corpo".
No fundo, Carla Bruni queria começar uma vida nova, ser outra pessoa, ganhar a admiração do público sem que este a identificasse fisicamente.
"É absurdo, mas eu gostaria de ser escutada sem que me vissem, sem televisão, sem imagem, sem sexo, pura comunicação sonora. Isso não está ao alcance de quase ninguém; são poucos os escritores e pintores que podem escapar do trabalho chato de promoção. E também existe a vaidade, a tentação da vaidade, que é fácil negar, mas continua exercendo seu poder de atração: gosto que gostem de mim", afirma.
Diz não ler o que escrevem sobre ela, mas a irrita que tantos críticos situem seu disco na tradição da chamada "chanson" francesa, ou seja, temas com texto muito cuidado, dito de maneira inteligível e em francês.
"É ridículo. Tenho mais em comum com Rickie Lee Jones do que com Brassens. Meu modelo é o country, o folk e o jazz, e não cantores como Brel, Barbara ou Brassens, que adoro e ouvi muito, mas que estão distantes de meu estilo. Ademais, essa idéia de que a "chanson" tem exclusividade sobre as letras com qualidade literária me incomoda. Como se Leonard Cohen ou Bob Dylan não tivessem escrito ótimas letras, como algumas das letras dos Rolling Stones não fossem extraordinárias, em termos literários!"
Entre os franceses, só admite influência direta de Serge Gainsbourg e Leo Ferré e reivindica também a de Emmylou Harris e da exuberante Dolly Parton. "Para mim, é uma honra que me acolham bem no mundinho da "chanson", mas um engano: não é minha família."
Seu primeiro disco nasceu graças a um velho amigo, o roqueiro Louis Bertignac, em cujo novo disco ela agora está envolvida. "Compor para Clerc foi diferente, porque ele respeita o texto. Para Bertignac, que é um gênio para procurar ritmos, arranjos, sugerir volumes ou tons, o significado das palavras passa a um terceiro plano. Tenho que me lembrar sempre de que ele já completou 50 anos, que posso me adaptar ao estilo dele, compor sob medida para ele, mas preciso respeitar o que compus, que não é uma simples sucessão de sílabas ou onomatopéias, mas poemas que se relacionam à música. E, sobretudo, de que ele não tem idade de continuar dizendo qualquer coisa", diz, quase rindo.
Carla Bruni tem quase pronto um segundo disco, agora com letras majoritariamente em inglês. "Quero concluir antes a promoção do meu disco em francês no Reino Unido e na Espanha, nos países em que o francês deixou de ser bem aceito como idioma para a música popular. Será um disco diferente, porque a língua impõe certas regras. Por exemplo, em francês há pouca margem para a ingenuidade, para a expressão direta. Dizer "I love you" é diferente de dizer "je t'aime". Mas há muitos pontos em comum, também, porque mudar de idioma não torna obrigatório usar mais volume ou uma acústica diferente. Não consigo escutar música forte demais. Por exemplo, não suporto [o compositor erudito alemão do século 19 Richard] Wagner porque requer um volume que agride meus ouvidos."
Para Carla Bruni, o caráter mais distinto ou pessoal de um cantor é sua capacidade para definir o ritmo e o fluxo do canto.
"Cada um tem um ritmo, e isso marca a maneira de falar, de cantar. O ritmo é determinante em muitas esferas da vida. Por exemplo, ninguém vive submerso em um ritmo tão sustentado e exigente quanto os estilistas, que têm sua vida pautada pela exigência de quatro desfiles anuais, pela obrigação de serem geniais com prazo fixo." Por terem escapado a essa armadilha, diz admirar muito "Azzedine Alaïa ou Manu Chao, que conquistaram sua liberdade, fazem o que querem sem atender às exigências da indústria". Ou da vaidade, claro.


QUELQU'UM M'A DIT. De: Carla Bruni. Lançamento: BMG International (importado). Preço: R$ 40 (em média).


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