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MÚSICA
Ex-modelo italiana Carla Bruni conquista admiração na estréia em CD e diz querer exibir "a alma sem vender o corpo"
Voz "fashion" desfila a fuga da vaidade
DO "EL PAÍS"
Depois de vender mais de meio
milhão de discos com seu primeiro álbum, "Quelqu'un m'a Dit",
Carla Bruni, 35, deixou de ser
uma modelo que canta e se tornou uma cantora que, no passado, trabalhou como modelo.
Letras inteligentes, arranjos
adequados e uma voz rouca e acariciante a um só tempo explicam
o sucesso de uma mulher que fala
com a mesma convincente franqueza sobre os homens que seduziu e a tristeza que acompanha a
fragilidade do sucesso profissional. Em meio a uma turnê de promoção de seu disco, a italiana nascida em Turim descobre agora a
outra faceta de seu novo ofício.
"Comecei escrevendo canções
para os outros, especificamente
para Julien Clerc, e logo me convenceram de que poderia cantar
meus temas, que aquilo que eu fazia diante de uns poucos amigos
podia agradar a mais gente", explica pela enésima vez, mas com o
entusiasmo da primeira.
"Cantar e compor me agrada
muito, comecei a fazê-lo antes de
estrear como modelo. Em minha
família há uma grande tradição
musical, mas nunca quis pensar
que gravar um disco poderia significar a obrigação de cantar ao
vivo. É algo contraditório para
quem viveu mais de 15 anos na
passarela, mas não gosto de me
exibir. Queria exibir minha alma
sem vender meu corpo".
No fundo, Carla Bruni queria
começar uma vida nova, ser outra
pessoa, ganhar a admiração do
público sem que este a identificasse fisicamente.
"É absurdo, mas eu gostaria de
ser escutada sem que me vissem,
sem televisão, sem imagem, sem
sexo, pura comunicação sonora.
Isso não está ao alcance de quase
ninguém; são poucos os escritores e pintores que podem escapar
do trabalho chato de promoção. E
também existe a vaidade, a tentação da vaidade, que é fácil negar,
mas continua exercendo seu poder de atração: gosto que gostem
de mim", afirma.
Diz não ler o que escrevem sobre ela, mas a irrita que tantos críticos situem seu disco na tradição
da chamada "chanson" francesa,
ou seja, temas com texto muito
cuidado, dito de maneira inteligível e em francês.
"É ridículo. Tenho mais em comum com Rickie Lee Jones do
que com Brassens. Meu modelo é
o country, o folk e o jazz, e não
cantores como Brel, Barbara ou
Brassens, que adoro e ouvi muito,
mas que estão distantes de meu
estilo. Ademais, essa idéia de que
a "chanson" tem exclusividade sobre as letras com qualidade literária me incomoda. Como se Leonard Cohen ou Bob Dylan não tivessem escrito ótimas letras, como algumas das letras dos Rolling
Stones não fossem extraordinárias, em termos literários!"
Entre os franceses, só admite influência direta de Serge Gainsbourg e Leo Ferré e reivindica
também a de Emmylou Harris e
da exuberante Dolly Parton. "Para mim, é uma honra que me acolham bem no mundinho da
"chanson", mas um engano: não é
minha família."
Seu primeiro disco nasceu graças a um velho amigo, o roqueiro
Louis Bertignac, em cujo novo
disco ela agora está envolvida.
"Compor para Clerc foi diferente,
porque ele respeita o texto. Para
Bertignac, que é um gênio para
procurar ritmos, arranjos, sugerir
volumes ou tons, o significado
das palavras passa a um terceiro
plano. Tenho que me lembrar
sempre de que ele já completou 50
anos, que posso me adaptar ao estilo dele, compor sob medida para
ele, mas preciso respeitar o que
compus, que não é uma simples
sucessão de sílabas ou onomatopéias, mas poemas que se relacionam à música. E, sobretudo, de
que ele não tem idade de continuar dizendo qualquer coisa",
diz, quase rindo.
Carla Bruni tem quase pronto
um segundo disco, agora com letras majoritariamente em inglês.
"Quero concluir antes a promoção do meu disco em francês no
Reino Unido e na Espanha, nos
países em que o francês deixou de
ser bem aceito como idioma para
a música popular. Será um disco
diferente, porque a língua impõe
certas regras. Por exemplo, em
francês há pouca margem para a
ingenuidade, para a expressão direta. Dizer "I love you" é diferente
de dizer "je t'aime". Mas há muitos
pontos em comum, também, porque mudar de idioma não torna
obrigatório usar mais volume ou
uma acústica diferente. Não consigo escutar música forte demais.
Por exemplo, não suporto [o
compositor erudito alemão do século 19 Richard] Wagner porque
requer um volume que agride
meus ouvidos."
Para Carla Bruni, o caráter mais
distinto ou pessoal de um cantor é
sua capacidade para definir o ritmo e o fluxo do canto.
"Cada um tem um ritmo, e isso
marca a maneira de falar, de cantar. O ritmo é determinante em
muitas esferas da vida. Por exemplo, ninguém vive submerso em
um ritmo tão sustentado e exigente quanto os estilistas, que têm sua
vida pautada pela exigência de
quatro desfiles anuais, pela obrigação de serem geniais com prazo
fixo." Por terem escapado a essa
armadilha, diz admirar muito
"Azzedine Alaïa ou Manu Chao,
que conquistaram sua liberdade,
fazem o que querem sem atender
às exigências da indústria". Ou da
vaidade, claro.
QUELQU'UM M'A DIT. De: Carla Bruni.
Lançamento: BMG International
(importado). Preço: R$ 40 (em média).
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