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O julgamento de Rondon
Em biografia recém-lançada, historiador norte-americano Todd Diacon expõe as visões contraditórias sobre o marechal
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o historiador norte-americano Todd Diacon, 48,
começou a estudar Cândido
Mariano da Silva Rondon
(1865-1958), logo percebeu a
dificuldade que teria para
transpor a cisão profunda entre
as leituras que se fizeram até
hoje sobre esse oficial do Exército que semeou a base da política do Estado brasileiro com
relação aos índios.
É claro que todo pesquisador
que se proponha a estudar um
personagem já sabe de antemão que terá de enfrentar os
que o amam e os que o odeiam,
mas, no caso de Rondon, Diacon diz que se deparou com um
verdadeiro abismo. "Parecia
que eu estava diante de duas
pessoas completamente diferentes", contou o pesquisador e
vice-reitor da Universidade do
Tennessee à Folha.
Afinal, existem os que o admiram pela convicção com que
defendeu a expansão de uma
determinada idéia de Brasil por
rincões afastados do país e os
que o acusam de tentar aculturar e assimilar os indígenas "na
marra". Conseqüentemente,
de um lado uma literatura hagiográfica, e, de outro, uma visão revisionista.
Diacon apostou num ângulo
que considera pouco explorado
pelos estudiosos brasileiros, o
da análise de como o positivismo definiu o modo de pensar e de agir do personagem ao longo de sua vida.
"O positivismo, a idéia de que
poderia "melhorar" o Brasil por
meios científicos, levando o
que acreditava ser a civilização
para a selva, tornou-se uma
verdadeira obsessão para Rondon", diz Diacon. "Sem essa
inspiração, ele jamais teria se
armado de forças para enfrentar as dificuldades que encontrou", completa.
À frente da Comissão Rondon, o marechal comandou a
construção de uma linha telegráfica no Mato Grosso na primeira década do século 20 e
encabeçou explorações pela região Amazônica que resultaram no mapeamento de parte
do território e na aproximação
do Estado brasileiro a uma
grande quantidade de tribos
indígenas. A partir de 1910, tornou-se diretor do recém-criado
Serviço de Proteção aos Índios.
Entre as tais dificuldades a
que se refere Diacon, Rondon
enfrentou malária, ataques de
índios hostis, deserções em
massa de oficiais que temiam a
doença e os perigos da floresta
e um sem-número de imprevistos. "A aventura que Rondon viveu por conta de sua utopia é um filme fascinante", diz.
O historiador ficou tão impressionado com a história do
oficial que diz ter minimizado,
de propósito, a questão teórica
a que tinha se proposto no começo da pesquisa. "Eu poderia
ter feito um livro inteiro discutindo a questão da formação da
idéia de nação no Brasil e na
América Latina. Isso é que tinha me levado, inicialmente, a
me interessar por Rondon.
Mas achei que relatar a sua trajetória num primeiro plano
atingiria de forma mais certeira o meu objetivo."
O retrato de Diacon não é
parcial. Por meio das contradições que revela sobre o personagem, o historiador tenta desconstruir parte das argumentações contra e a favor dele.
Rondon surge implacável
com os soldados que integravam a comissão, exigia disciplina, aplicava castigos físicos e
forçava os doentes a seguir trabalhando. Por outro lado, aos
índios dispensava um tratamento bondoso. "Uma bondade que tinha uma intenção clara, a de seduzi-los a se aproximar do que considerava ser a
civilização", diz. "Mas os que o
acusam de tentar aculturar os
índios não percebem que, naquela época, as opções que
existiam, além da que ele propunha, eram piores, e incluíam
até a de exterminar aquelas populações", defende Diacon.
Entre as passagens mais interessantes do livro está a que
descreve a expedição de Rondon e o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt em 1914 pelo interior do
Mato Grosso. Enquanto Roosevelt imaginava estar fazendo
uma espécie de passeio exótico,
do qual levaria fotos para mostrar para os amigos, Rondon
realizava um trabalho sério de
mapeamento e não se importava com os males que atingiam a
expedição. Só quando o filho do
ex-presidente ficou seriamente
abatido pela malária é que Roosevelt convenceu Rondon a levá-lo de volta à "civilização".
"Foi muito engraçado ler sobre a viagem, porque nós, americanos, temos de Roosevelt a
idéia de um homem forte, corajoso, e, durante esse episódio,
nota-se que estava completamente apavorado", diz.
Curioso por estudar o Brasil
depois de ter feito um curso
com o brasilianista Thomas
Skidmore na Universidade de
Wisconsin, Diacon primeiro
escreveu sobre o Contestado.
Depois, para montar a biografia de Rondon, mudou-se temporariamente para o Brasil
(acabou, inclusive, casando-se
com uma brasileira) e mergulhou na documentação existente sobre ele -em geral relatórios e diários de viagem- no
Arquivo Histórico do Exército
no Rio de Janeiro, no museu do
Exército do Forte de Copacabana e no museu do Índio.
Além disso, conta que visitou
Cuiabá, Rondônia e os lugares
por onde Rondon passou, mas
que isso não o entusiasmou. "O
que vi lá mostra que o sonho de
Rondon se realizou. Aquilo é
justamente o que ele queria.
Você encontra Lojas Americanas, Bradesco, e pode até ter
uma vida parecida com a que
tem em outros grandes centros
do Brasil. Mas será que isso é
bom ou mal?"
RONDON - O MARECHAL DA FLORESTA
Autor: Todd Diacon
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34 (219 págs.)
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