São Paulo, sábado, 30 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O julgamento de Rondon

Em biografia recém-lançada, historiador norte-americano Todd Diacon expõe as visões contraditórias sobre o marechal

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o historiador norte-americano Todd Diacon, 48, começou a estudar Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), logo percebeu a dificuldade que teria para transpor a cisão profunda entre as leituras que se fizeram até hoje sobre esse oficial do Exército que semeou a base da política do Estado brasileiro com relação aos índios.
É claro que todo pesquisador que se proponha a estudar um personagem já sabe de antemão que terá de enfrentar os que o amam e os que o odeiam, mas, no caso de Rondon, Diacon diz que se deparou com um verdadeiro abismo. "Parecia que eu estava diante de duas pessoas completamente diferentes", contou o pesquisador e vice-reitor da Universidade do Tennessee à Folha.
Afinal, existem os que o admiram pela convicção com que defendeu a expansão de uma determinada idéia de Brasil por rincões afastados do país e os que o acusam de tentar aculturar e assimilar os indígenas "na marra". Conseqüentemente, de um lado uma literatura hagiográfica, e, de outro, uma visão revisionista. Diacon apostou num ângulo que considera pouco explorado pelos estudiosos brasileiros, o da análise de como o positivismo definiu o modo de pensar e de agir do personagem ao longo de sua vida.
"O positivismo, a idéia de que poderia "melhorar" o Brasil por meios científicos, levando o que acreditava ser a civilização para a selva, tornou-se uma verdadeira obsessão para Rondon", diz Diacon. "Sem essa inspiração, ele jamais teria se armado de forças para enfrentar as dificuldades que encontrou", completa.
À frente da Comissão Rondon, o marechal comandou a construção de uma linha telegráfica no Mato Grosso na primeira década do século 20 e encabeçou explorações pela região Amazônica que resultaram no mapeamento de parte do território e na aproximação do Estado brasileiro a uma grande quantidade de tribos indígenas. A partir de 1910, tornou-se diretor do recém-criado Serviço de Proteção aos Índios.
Entre as tais dificuldades a que se refere Diacon, Rondon enfrentou malária, ataques de índios hostis, deserções em massa de oficiais que temiam a doença e os perigos da floresta e um sem-número de imprevistos. "A aventura que Rondon viveu por conta de sua utopia é um filme fascinante", diz. O historiador ficou tão impressionado com a história do oficial que diz ter minimizado, de propósito, a questão teórica a que tinha se proposto no começo da pesquisa. "Eu poderia ter feito um livro inteiro discutindo a questão da formação da idéia de nação no Brasil e na América Latina. Isso é que tinha me levado, inicialmente, a me interessar por Rondon. Mas achei que relatar a sua trajetória num primeiro plano atingiria de forma mais certeira o meu objetivo."
O retrato de Diacon não é parcial. Por meio das contradições que revela sobre o personagem, o historiador tenta desconstruir parte das argumentações contra e a favor dele. Rondon surge implacável com os soldados que integravam a comissão, exigia disciplina, aplicava castigos físicos e forçava os doentes a seguir trabalhando. Por outro lado, aos índios dispensava um tratamento bondoso. "Uma bondade que tinha uma intenção clara, a de seduzi-los a se aproximar do que considerava ser a civilização", diz. "Mas os que o acusam de tentar aculturar os índios não percebem que, naquela época, as opções que existiam, além da que ele propunha, eram piores, e incluíam até a de exterminar aquelas populações", defende Diacon.
Entre as passagens mais interessantes do livro está a que descreve a expedição de Rondon e o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt em 1914 pelo interior do Mato Grosso. Enquanto Roosevelt imaginava estar fazendo uma espécie de passeio exótico, do qual levaria fotos para mostrar para os amigos, Rondon realizava um trabalho sério de mapeamento e não se importava com os males que atingiam a expedição. Só quando o filho do ex-presidente ficou seriamente abatido pela malária é que Roosevelt convenceu Rondon a levá-lo de volta à "civilização".
"Foi muito engraçado ler sobre a viagem, porque nós, americanos, temos de Roosevelt a idéia de um homem forte, corajoso, e, durante esse episódio, nota-se que estava completamente apavorado", diz.
Curioso por estudar o Brasil depois de ter feito um curso com o brasilianista Thomas Skidmore na Universidade de Wisconsin, Diacon primeiro escreveu sobre o Contestado.
Depois, para montar a biografia de Rondon, mudou-se temporariamente para o Brasil (acabou, inclusive, casando-se com uma brasileira) e mergulhou na documentação existente sobre ele -em geral relatórios e diários de viagem- no Arquivo Histórico do Exército no Rio de Janeiro, no museu do Exército do Forte de Copacabana e no museu do Índio.
Além disso, conta que visitou Cuiabá, Rondônia e os lugares por onde Rondon passou, mas que isso não o entusiasmou. "O que vi lá mostra que o sonho de Rondon se realizou. Aquilo é justamente o que ele queria. Você encontra Lojas Americanas, Bradesco, e pode até ter uma vida parecida com a que tem em outros grandes centros do Brasil. Mas será que isso é bom ou mal?"


RONDON - O MARECHAL DA FLORESTA
Autor:
Todd Diacon
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34 (219 págs.)


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.