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FERNANDO GABEIRA
Governo e primos no aeroporto
Somos todos os caras de cima, que deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos
PASSEI O último dia de trabalho
no aeroporto de Brasília. Um
fim digno do ano. Foram seis
horas de espera. Supus que poderia
terminar "O Paraíso na Outra Esquina", um romance de Vargas Llosa
sobre Flora Tristan e seu neto, Paul
Gauguin. Ilusão.
Havia outros de gravata, entre os
turistas descontraídos que buscavam as férias. Uma família italiana
me descobriu e me fez saber o absurdo de estarem ali, desde nove da manhã, sem informações. Você não é
governo, mas de gravata no aeroporto, saindo do Congresso, todo mundo é, no mínimo, primo do governo.
Somos todos os caras de cima, que
deveriam estar fazendo alguma coisa para domar o caos.
Saí em busca de informações e
descobri que não eram assim tão difíceis. Bastava olhar no computador
onde havia indicações se o avião estava parado num aeroporto, se estava decolando ou já estava voando.
Tive a primeira intuição. Os computadores ficam na entrada do embarque. Se virássemos as telas para
fora, os próprios viajantes tinham
condições de interpretá-las. Daí em
diante era só passar a voz.
Desde oito de dezembro previ o
caos, numa entrevista a Paulo Moreira Leite, e procurei esboçar um
plano que atenuaria o desconforto.
Sou apenas primo do governo. Não
tenho força para montar uma sala de
crise em cada aeroporto, cuidar das
crianças, ajudar aos doentes, passar
informações precisas e freqüentes.
Algumas coisas escapam da cobertura da mídia.Uma delas é o sentimento de solidariedade que nos une
no salão de embarque. Claro que, no
momento em que anunciam que
uns partem e outros, com a mesma
passagem, ficam, há sempre uma
certa agitação.
Mas as crianças ganham novos
amigos. No meio de fraldas, mamadeiras e vômitos, reencontramos o
passado próximo quando transitávamos com as nossas, pelos aeroportos do mundo.
Um turista ao entrar na sala disse:
isto aqui parece um terremoto. Para
mim o clima era mais próximo dessas escolas para onde vão refugiados
de enchentes. Havia calor oposto à
hostilidade surda dos que acabaram
de perder um aumento de 91% nos
salários.
Quando o avião levantou vôo, com
seis horas de atraso, os passageiros
para o Rio aplaudiram. Estávamos
aliviados, tínhamos tempo para
pensar nos perigos da Linha Vermelha na próxima hora.
Assim como no apagão elétrico
que vivi no governo passado, constatei mais uma vez que a resposta dos
usuários tem sido madura e construtiva.
Tanto o governo como seus primos da oposição têm o dever de dotar o país de um sistema de nível internacional nos aeroportos e na malha aérea. O ano termina como um
poema de Drummond: nenhum
problema resolvido.
Meus aplausos foram discretos.
Não conseguia explicar, entretanto,
o bom humor que me invadia quando o avião aterrizou. Não havia ninguém para abrir a porta. Perguntei a
aeromoça se o cara do "finger" não
tinha um celular. Poderia chamá-lo
e completar assim minha última tarefa do ano.
Não foi preciso. A aeromoça decidiu abrir a porta mesmo sem ninguém do lado fora. Um ar quente
chamado recesso envolveu nossos
corpos e rindo fomos adiante, com
nossos limites. Mesmo sendo apenas primos, sentimos no saguão que
muitos se dirigiam a nós pedindo a
todo tempo que assumíssemos um
papel e talvez quisessem dizer isto:
não importa onde você esteja, todos
os de cima falharam conosco. Se virem em 2007.
Entramos o ano em dívida. A Linha Vermelha, que agradavelmente
esquecemos, voltaria a nos preocupar. A série de atentados no Rio revelou a outra dívida fundamental.
A política de segurança foi um
fiasco. O próprio chefe de polícia está sob investigação. Chegou a hora
de mudar tudo. A base para isto é o
apoio das forças especiais e também
das Forças Armadas.
O dinheiro para isto? Há R$ 350
milhões destinados à segurança dos
Jogos Pan-Americanos. É preciso
precipitar este plano porque o próprio ano de 2007 já está começando.
As milícias e os traficantes dominam comunidades na ausência do
Estado. Isto já aconteceu na China,
antes de se criar o Estado nacional.
Ou mesmo na Iugoslávia com a fragmentação do estado que existiu.
A neutralização do tráfico e das
milícias nas comunidades pobres
depende de uma decisão rápida.
Quem ataca fica vulnerável. Os grupos armados que fazem uma ofensiva, quando não obtêm a vitória final,
tornam-se abertos para a contra-ofensiva. O verão será quente.
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