São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

"Toda arte é reinvenção, não repetição"

Edward Albee defende uso de temas tabu, afirmando que se "vendidos como arte" são vistos de forma diferente

Dramaturgo também reclama de encenadores que tentam atenuar ou tornar mais "digestivo" o teor de seus trabalhos

DE SÃO PAULO

Nesta parte da entrevista, Edward Albee fala sobre sua preferência por temas tabu, nega o caráter autobiográfico de suas peças e critica a TV americana. A seguir, os principais trechos. (LUCAS NEVES)

Diante desse quadro, por que insiste em abordar temas tabu, como bestialismo (em "A Cabra"), mastectomia voluntária e circuncisão reversa (ambas em "Homelife")?
Porque isso representa o que sou, o que me interessa. É sobre isso que acredito que as pessoas deveriam refletir.


Mas esses temas ainda são capazes de ruborizar a plateia, tirá-la da zona de conforto?
As pessoas prestam atenção de um jeito diferente quando estão diante de algo que é vendido como arte.


Já foi sugerido que o sr. se vale fartamente de sua biografia para criar peças. As mães de seu teatro seriam variações da figura de sua mãe adotiva, com quem o sr. mantinha uma relação difícil. Como equilibra realidade e ficção?
Estou limitado pelas fronteiras da minha imaginação. Escrevo o que consigo imaginar. Mas não limito a minha escrita a fatos que tenham acontecido comigo, porque não penso ser um objeto teatral tão interessante assim. Me considero uma pessoa interessante, mas não um tema próprio para uma peça.


Qual a diferença entre ser uma coisa e a outra?
Para que a história de alguém se preste ao teatro, suas ações têm de fazer sentido em termos dramáticos, não apenas intelectuais. Senão você transforma uma vida chata numa peça idem. Não consigo imaginar uma peça muito boa sobre [o filósofo alemão] Immanuel Kant, por exemplo.


Em suas peças, surge com frequência um elemento "intruso", alguém que vem de fora do cenário principal para (às vezes à própria revelia) derrubar máscaras sociais, revelar hipocrisias. Como o jovem casal convidado pelos protagonistas de "Virginia Woolf", ou o par e a filha visitantes de "Um Equilíbrio Delicado". O inferno são os outros?
Dramaturgia se apoia em conflitos emocionais, físicos, psicológicos ou políticos. E se você tem um grupo de pessoas que se conhece bem, está muito feliz e não tem sobre o que falar, não há conflito. O que você tem em mãos nesse caso é televisão.


Mas não dizem que a televisão americana vive uma nova era de ouro, com enredos provocativos, personagens bem construídos?
Por "era de ouro", querem dizer um período muito rentável. Só vejo programas informativos, que possam me ensinar algo. Gosto daqueles que tratam de animais, ciência, o cérebro. A minha leitura também segue essa mesma inclinação.


E peças, o sr. lê?
Leio porque quero saber o que está acontecendo naquela história. Se vejo uma montagem sem antes ter lido o texto, não tenho a certeza de estar assistindo à peça que o dramaturgo imaginou.
Há uma hierarquia que deve ser respeitada, que determina que o texto venha antes, e a sua interpretação, depois. Essa deve apenas reforçar o que o autor concebeu.
Em duas ocasiões, senti que isso não estava acontecendo, e o resultado foi horrível. Mas não quero falar sobre isso. Você tem de ser forte para garantir que a sua visão é o que a plateia vai receber, porque às vezes tentam abrandá-la, facilitá-la, torná-la menos perturbadora, mais digestiva. Diretores às vezes fazem isso, seguindo comandos de quem está colocando dinheiro na produção.


O sr. dá aulas na Universidade de Houston. Como é o contato com grupos de jovens dramaturgos?
Ensino porque aprendo ao fazê-lo. Sou muito egoísta. Se não existisse essa via de mão dupla, não funcionaria para mim. Sempre digo aos alunos: "Escrevam a primeira peça de todos os tempos. Inventem a forma, a estrutura, a ideia". Toda arte é reinvenção, não repetição. Arte ruim é repetição. É simples assim.


Texto Anterior: Raio-X: Edward Albee
Próximo Texto: Praça Roosevelt ganha SP Escola de Teatro
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.