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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A dúvida conservadora
A crença de que os nossos desejos bastam para alterar a realidade ignora o papel subversivo do imponderável
LUIZ FELIPE Pondé concede entrevista a Rafael Cariello na
Folha do sábado passado e
eu não posso deixar de sentir alguma admiração e certa nostalgia.
A admiração é óbvia. Não é todos
os dias que apanhamos um conservador pela frente, disposto a confrontar o derradeiro paradoxo: será possível defender uma teoria
conservadora quando o conservadorismo se define, precisamente,
pela sua natureza antiteórica?
Não é jogo de palavras e eu não
vou repetir, como Disraeli em carta
a Lady Bradford, que "existem
muitos esquemas, e muitos planos,
e muitas razões para não haver esquemas nem planos". Um dos motivos por que o conservadorismo
tem má fama é que ele não possui
uma cartilha de respostas aos problemas da vida social ou humana.
Um liberal pode proclamar a liberdade como fim último de suas campanhas. Um socialista pode acreditar na igualdade (ou "eqüidade")
como valor das suas "engenharias
de Estado". E o conservador?
O conservador tem certa relutância, e mesmo repulsa, em reduzir a complexidade da natureza humana a uma lista de supermercado. Claro que há conservadores e
conservadores: Burke não pode ser
confundido com um reacionário
ultramontano, como De Maistre.
Mas, se o conservadorismo passa
pela dúvida prudente, é Burke
quem salta das palavras de Pondé.
Por isso, a nostalgia também entrou na entrevista: Burke foi meu
companheiro de estrada. E quando
lemos Burke, vemos em forma de
letra o que apenas podemos intuir
em privado. Porque o conservadorismo começa por ser assunto privado: uma "disposição", como diria
Oakeshott, que impede a arrogância fatal de entender o mundo como prolongamento dos nossos desejos. Ou, como Pondé metaforiza,
a crença de que a menina de 14
anos pode criar um mundo que não
conhece e não lhe pertence.
Chegamos, vivemos, passamos.
Há um contrato invisível entre vivos, mortos e os que estão para vir
que impede o entendimento da atividade política como gesto revolucionário e total. Pondé fala da "dúvida conservadora" e sublinha a
imperfeição moral e intelectual
dos seres humanos. Fato. Mas a
"dúvida conservadora" não se alimenta só das ambições racionalistas que reduzem a complexidade
do mundo a uma "técnica", amputando o que não pode ser racionalmente provado.
A "dúvida conservadora" instala-se, também, pois a contingência é
inescapável. E a crença de que os
nossos desejos bastam para alterar
a realidade ignora o papel do imponderável na subversão do ideal
abstrato. Em 1789, quando um parlamentar francês perguntou a Burke sobre os festejos de Paris, ele
avisava: não há certeza de que a
busca da utopia terrena não acabe
por degenerar na violência e na
mortandade. As palavras de Burke
(e a "dúvida" levantada) eram escritas quando a República, a execução dos monarcas, Robespierre e o
Terror não passavam pela cabeça
otimista dos revolucionários. Infelizmente, ontem como hoje, nunca
passam.
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