São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2009

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LIVROS

Crítica/"América Aracnídea - Teias Culturais Interamericanas"

Análise valoriza obra sobre jornal que tentou unir Brasil e vizinhos

Historiadora aborda "Pensamento da América", publicado durante ditadura de Vargas

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A referência cultural da elite brasileira é oriunda da Europa, até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e, desde então, dos Estados Unidos. Os vizinhos latino-americanos sempre estiveram culturalmente distantes. Ou quase sempre. "América Aracnídea", da historiadora Ana Luiza Beraba, é sobre esse "quase". Durante sete anos, entre 1941 e 1948, o governo brasileiro investiu na aproximação não só com os latinos, mas com os americanos de um modo geral.
O principal instrumento dessa política foi o suplemento "Pensamento da América", publicado no jornal "A Manhã", órgão da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas. A metáfora da aracnídea remete às teias culturais entre os países do continente, que o jornal ajudou a tecer, valendo-se do trabalho de intelectuais modernistas ligados à diplomacia do governo Vargas. Para um projeto patrocinado pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), o suplemento até que era bem arejado. Um dos poetas mais traduzidos em suas páginas era o americano Walt Whitman, que no século 19 louvava a democracia dos Estados Unidos. Outro assíduo frequentador era o chileno Pablo Neruda, cujo comunismo também não agradava ao Estado Novo.
Para Ana Luiza Beraba, "o Brasil entrou no jogo do pan-americanismo não por pressão norte-americana, mas sim porque era a chance de se afirmar como potência no continente". Segundo ela, o Brasil conseguiu, com astúcia, inverter os interesses americanos em seu próprio favor. Não foi tarefa fácil. A iniciativa coincidiu com a americanização do Brasil, sobretudo a partir da adesão de Vargas aos Aliados, pondo fim às ambiguidades que por vezes o aproximavam do nazismo. Além disso, como nota a historiadora, dentro do próprio governo havia resistência entre os ideólogos mais nacionalistas.
O suplemento durou enquanto houve interesse político. Com a polarização ideológica entre capitalismo e comunismo a partir do final da década de 40, o pan-americanismo perdeu relevância. "Pensamento da América" foi uma vítima da Guerra Fria. A amarração das análises valoriza o material importante que estava esquecido nos arquivos. A imbricação entre arte, política e diplomacia é explorada num texto em que o rigor acadêmico não prejudica a fluência, a ponto de a autora, sem resistir ao jogo de palavras, incomum em obras do gênero, afirmar que, sob Vargas, o Itamaraty estava literalmente nas mãos de um aracnídeo: Oswaldo Aranha. O livro tem ainda um valor extrínseco: a oportunidade. Ele surge num momento em que o governo brasileiro se esforça em estreitar laços com outros países do continente, também com o objetivo de exercer liderança regional. São iniciativas que, como o Mercosul, têm no "Pensamento da América" um embrião remoto.


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor, entre outros livros, de "Folha Explica Roberto Carlos" e "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes), todos pela Publifolha.

AMÉRICA ARACNÍDEA -TEIAS CULTURAIS INTERAMERICANAS
Autora: Ana Luiza Beraba
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 39 (224 págs)
Avaliação: bom


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