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São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

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TEATRO

"Fura dels Baus" e Jerry Springer não oferecem saída

GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES

Se parece que o ataque contra o Iraque é o único tópico em questão aqui em Londres, o mundo se engana. Claro, tem a ópera sobre o Jerry Springer, que estréia no próximo dia 9/4. Será ridicularizada, como os artigos até agora publicados já deixaram claro.
Eu entrevistei Springer longamente para uma reportagem para a Ilustrada há alguns anos. Na época, ele estourava no ibope. Hoje, ninguém o assiste mais (pelo menos nos EUA). Mas como é britânico de nascimento, deve estar apelando para a terra natal.
O programa dele é o mais puro retrato de um Estados Unidos decadente e sem saídas. É um cão come cão (no caso, traveca come traveca e outras aberrações, na maioria encenações com atores, como foi provado). E esse universo se traduz nesse mundo horrendo em que George W. Bush virou (ilegitimamente) o presidente americano. E deu no que deu.
A ópera sobre Jerry Springer deverá ter leves conotações ou paralelos com a guerra no Iraque, apesar de planejada anos atrás. São as tais sincronicidades inexplicáveis.
Mas nem tudo está perdido. O "Fura dels Baus" estreará em 22 de abril, no Riverside Studios (Londres), um espetáculo de sexo explícito, inspirado em "Filosofia da Alcova", do marquês de Sade. Talvez tão explícito esse sexo que de teatro não tenha mais nada. É essa a intenção. No ensaio que assisti (ainda sem luz e sem os efeitos finais, onde atores acabaram machucados), confesso que saí desiludido. Mas na caminhada para casa, percebi que talvez eles tenham chegado a uma resposta interessante para o teatro.
É evidente que o teatro está se perguntando coisas sérias (desde a falência da iconoclastia e do desconstrutivismo) e não tem obtido respostas. No entanto, não dá mais para aguentar pecinhas atrás de pecinhas. Como curador do Festival de Laokoon-Kampnagel, em Hamburgo, tenho visto teatro no mundo inteiro. E a vontade tem sido a de vomitar. Nada de novo. Nada de velho. Estagnação pura e cada vez de pior qualidade.
O que o Fura fez em seu "XXX" (nome do espetáculo, que se resume a ter as cenas mais violentas de sexo de todos os fetiches imagináveis) foi usar o pretexto teatral, mas retirar dele toda a essência dramática, deixando somente o esqueleto da encenação, digamos assim, para colocar no palco um "hard core porn show".
Se vai funcionar? Não sei. Pode-se ir numa loja qualquer de sexo por um custo mais barato, mas não se teria a esperteza e nem o passado ideológico do grupo catalão que aprontou na história, com suas carnes cruas, suas serras elétricas, seus seres submersos, sempre numa linha tênue entre o kitsch e a estética do "Mad Max".
Em "Fausto.3", eles fracassaram porque a pretensão de fazer um texto clássico era tamanha que as pernas tentaram dar um passo maior do que a cultura ou a percepção dos integrantes (bastante rústica) era possível. Ao mesmo tempo, no show da abertura das Olimpíadas de Barcelona eles perderam seu público "cult". Viraram algo como um Cirque de Soleil e isso os deixou amargos.
Com "XXX", eles desistem de vez do teatro e mergulham de vez na porcaria, nas sujeiras dos labirintos fetichistas do sexo pesado. Quem sabe não é essa chacoalhada que Sarah Kane queria dar (e não conseguiu por não transcender as palavras e imagens fracas) no teatro inglês/mundial. Quem sabe não estamos todos, nós, o Fura, o Jerry Springer, indo para cucuia com os nossos valores ainda (inacreditavelmente) puritanos? Afinal, não é guerra?


Gerald Thomas é diretor de teatro


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