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TEATRO
"Fura dels Baus" e Jerry Springer não oferecem saída
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LONDRES
Se parece que o ataque contra o
Iraque é o único tópico em questão aqui em Londres, o mundo se
engana. Claro, tem a ópera sobre
o Jerry Springer, que estréia no
próximo dia 9/4. Será ridicularizada, como os artigos até agora
publicados já deixaram claro.
Eu entrevistei Springer longamente para uma reportagem para
a Ilustrada há alguns anos. Na
época, ele estourava no ibope.
Hoje, ninguém o assiste mais (pelo menos nos EUA). Mas como é
britânico de nascimento, deve estar apelando para a terra natal.
O programa dele é o mais puro
retrato de um Estados Unidos decadente e sem saídas. É um cão
come cão (no caso, traveca come
traveca e outras aberrações, na
maioria encenações com atores,
como foi provado). E esse universo se traduz nesse mundo horrendo em que George W. Bush virou
(ilegitimamente) o presidente
americano. E deu no que deu.
A ópera sobre Jerry Springer deverá ter leves conotações ou paralelos com a guerra no Iraque, apesar de planejada anos atrás. São as
tais sincronicidades inexplicáveis.
Mas nem tudo está perdido. O
"Fura dels Baus" estreará em 22
de abril, no Riverside Studios
(Londres), um espetáculo de sexo
explícito, inspirado em "Filosofia
da Alcova", do marquês de Sade.
Talvez tão explícito esse sexo que
de teatro não tenha mais nada. É
essa a intenção. No ensaio que assisti (ainda sem luz e sem os efeitos finais, onde atores acabaram
machucados), confesso que saí
desiludido. Mas na caminhada
para casa, percebi que talvez eles
tenham chegado a uma resposta
interessante para o teatro.
É evidente que o teatro está se
perguntando coisas sérias (desde
a falência da iconoclastia e do desconstrutivismo) e não tem obtido
respostas. No entanto, não dá
mais para aguentar pecinhas atrás
de pecinhas. Como curador do
Festival de Laokoon-Kampnagel,
em Hamburgo, tenho visto teatro
no mundo inteiro. E a vontade
tem sido a de vomitar. Nada de
novo. Nada de velho. Estagnação
pura e cada vez de pior qualidade.
O que o Fura fez em seu "XXX"
(nome do espetáculo, que se resume a ter as cenas mais violentas de
sexo de todos os fetiches imagináveis) foi usar o pretexto teatral,
mas retirar dele toda a essência
dramática, deixando somente o
esqueleto da encenação, digamos
assim, para colocar no palco um
"hard core porn show".
Se vai funcionar? Não sei. Pode-se ir numa loja qualquer de sexo
por um custo mais barato, mas
não se teria a esperteza e nem o
passado ideológico do grupo catalão que aprontou na história,
com suas carnes cruas, suas serras
elétricas, seus seres submersos,
sempre numa linha tênue entre o
kitsch e a estética do "Mad Max".
Em "Fausto.3", eles fracassaram
porque a pretensão de fazer um
texto clássico era tamanha que as
pernas tentaram dar um passo
maior do que a cultura ou a percepção dos integrantes (bastante
rústica) era possível. Ao mesmo
tempo, no show da abertura das
Olimpíadas de Barcelona eles perderam seu público "cult". Viraram algo como um Cirque de Soleil e isso os deixou amargos.
Com "XXX", eles desistem de
vez do teatro e mergulham de vez
na porcaria, nas sujeiras dos labirintos fetichistas do sexo pesado.
Quem sabe não é essa chacoalhada que Sarah Kane queria dar (e
não conseguiu por não transcender as palavras e imagens fracas)
no teatro inglês/mundial. Quem
sabe não estamos todos, nós, o
Fura, o Jerry Springer, indo para
cucuia com os nossos valores ainda (inacreditavelmente) puritanos? Afinal, não é guerra?
Gerald Thomas é diretor de teatro
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