São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005

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Fotógrafo norte-americano Ralph Gibson prepara livro com imagens do cotidiano brasileiro

Visões do Paraíso

Ralph Gibson
"Futebol na Areia", imagem de Ralph Gibson, que prepara um livro que será lançado no fim do ano


EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O espanto do primeiro olhar sobre as coisas é a bússola que orienta o cultuado fotógrafo norte-americano Ralph Gibson, 66, nas suas andanças pelo mundo. E o Brasil, "esse território que antes de ser um lugar é uma condição emocional", é o seu mais novo espanto eleito para ser o tema de um ensaio que irá gerar seu 29º livro, a ser lançado no final do ano pela editora italiana Damiani.
Gibson, que atualmente mora em Nova York, é reconhecido como um fotógrafo autoral de técnica superapurada. Ele iniciou sua carreira como assistente de dois ícones da fotografia: Dorothea Lange e Robert Frank. "Eu basicamente revelava e copiava os negativos deles. Ambos não tinham uma técnica muito apurada. Pensei que todo bom fotógrafo tinha negativos ruins. Percebi, então, que olho e coração valem mais que um negativo bem exposto."
Ao unir técnica, olho e coração, Gibson se tornou referência de fotógrafo autoral que realiza ensaios embasados em questões estéticas que se equilibram entre o documental e o exercício livre de jogos formais, nos quais linhas, sombras e cores apontam para uma abstração dos temas escolhidos.
O esboço do livro, que se chamará "Brasil", está todo formatado em dípticos nos quais imagens aparentemente díspares se comunicam por semelhanças cromáticas ou por grafismos. A maior parte das imagens foi colhida nas ruas, campos de várzea, praias, igrejas e feiras livres. A liberdade de abordagem de sua inseparável câmera Leica só encontra uma restrição: "Não fotografo miséria, pobreza, pessoas em situações constrangedoras. Por isso abandonei o fotojornalismo".
De sandálias havaianas e calça de capoeirista, ele concedeu esta entrevista à Folha, em São Paulo, na semana passada. Leia os principais trechos.
 

Folha - Por que fotografar o Brasil?
Gibson -
Minha mulher tem um grupo de capoeira em Salvador. Com isso, comecei a vir para o Brasil e sempre me sentia inspirado a fotografar. É um lugar muito diferente do resto do mundo. Antes de ser um lugar, é uma condição emocional. Isso está no espírito das pessoas. No mundo das artes, o Brasil e a China são os dois países em que as coisas estão de fato acontecendo. Resolvi fazer este livro para entender tudo isso, mas confesso que quanto mais conheço o país mais revelo de mim a mim mesmo.

Folha - O primeiro olhar sobre uma cultura desconhecida não tem o perigo de ser superficial e resultar num amontoado de clichês?
Gibson -
Isso não me preocupa. Gosto de começar com o clichê porque é uma linguagem comum a todos, uma linguagem que tende ao universal. Ele pode funcionar como um haicai em que você diz muito com uma economia de palavras ou imagens. Quando fotografo, mostro como penso como fotógrafo. Quando faço um livro, mostro como penso minhas fotografias. Fotografar é da ordem da percepção, e editar livros, da inteligência e descoberta. Esse livro se estrutura mais na edição do que nas imagens isoladas.

Folha - Você saiu do fotojornalismo e migrou para um tipo de fotografia que busca outro tipo de expressão...
Gibson -
Sim, não vejo mais a fotografia como um veículo muito importante para mostrar a realidade. A televisão faz isso melhor. Há trabalhos importantes, como o do Sebastião Salgado, mas há muito não é mais meu foco de interesse. Não sei como as pessoas vão interpretar minhas fotos. Pouco importa. Não estou tentando me comunicar através delas. Se quisesse isso, mandaria um fax, seria mais eficiente [risos]. Hoje me norteio por um pensamento grego que diz: "O jeito que você sente determina como percebe a realidade, portanto, a única coisa que é real é como você sente".

Folha - Seu outro projeto em andamento é um livro com imagens noturnas de Berlim...
Gibson -
Sim, é muito curioso fotografar dois lugares tão diferentes ao mesmo tempo. Percebo que os alemães, de alguma forma, resolvem sua angústia histórica pela sexualidade. O Brasil é menos sexual e mais sensual. Lá é tudo mais reto; aqui, sinuoso. A Europa se remete sempre ao passado, no Brasil, tudo é presente e futuro.

Folha - E a fotografia digital?
Gibson -
Não uso. Quando faço uma foto, imagino a luz entrando pela lente e queimando o filme. Quando revelo, é como se uma escultura estivesse sendo esculpida no negativo. Essa alquimia é importante. Digital é outra linguagem, é como a diferença entre vídeo e cinema. Fotografo apenas com uma câmera Leica há 40 anos e 90% do tempo apenas com uma lente de 50 mm [equivalente ao campo visual do olho humano].


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