São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005

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TELEVISÃO

Ganhador do "Big Brother Brasil" de maior audiência, professor homossexual quer ser visto como intelectual

"A diferença venceu o preconceito", diz Jean

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Primeiro homossexual assumido a ganhar o "reality show" "Big Brother Brasil", da Globo, o professor universitário Jean Wyllys, 31, acredita que seu êxito foi uma "vitória da diferença em geral". "Só a comunidade GLS não me garantiria no programa", afirma.
Ele quer ser reconhecido agora como um intelectual. Pretende se lançar como escritor "de massa", fazer doutorado em antropologia e investir em cultura. Noveleiro, diz que trocaria seu prêmio de R$ 1 milhão por uma vaga no time de teledramaturgos da Globo.
Na manhã de ontem, depois de passar a noite em claro em um hotel do Rio, Wyllys concedeu entrevista à Folha, por telefone.

 

Folha - Por que você ganhou? O Brasil está mais tolerante?
Jean Wyllys -
Existem muitos brasileiros preconceituosos, não só contra os gays, mas, por outro lado, o brasileiro é muito cordial e responde com o coração a situações de injustiça. No programa, surgiu uma situação de injustiça em que uma maioria achava que era dona do jogo. Fui o alvo preferencial porque combinava diferença sexual e repertório cultural, que também incomodava. Essa situação fez com que o público atravessasse a questão da orientação sexual e conhecesse o cidadão, meus valores, minha ética.

Folha - Você sabe que o público gay se mobilizou para te manter no programa, mas você conquistou muito mais gente, certo?
Wyllys -
Estou orgulhoso de ter virado símbolo para o movimento gay, mas tenho consciência de que só a comunidade GLS não me garantiria lá. Foi preciso que eu conquistasse um público mais amplo. Foi uma vitória não só para a comunidade gay, mas para a diferença em geral, para qualquer oprimido, que esteja à margem.

Folha - Em algum momento você sentiu que era um personagem?
Wyllys -
Não, eu não estava fazendo um personagem, eu sou assim. Se você conversar com meus alunos, saberá disso.

Folha - Teve um grupo de alunos seus que entraram com processo contra você por se sentirem perseguidos. Sabia disso?
Wyllys -
Não. Mas se entraram, não me espanta. Há muita gente desonesta. Com o crescimento das instituições privadas de ensino superior, tem aluno que acha que está comprando um diploma à prestação. Acha que a força da grana pode dobrar um professor.

Folha - O que fará agora?
Wyllys -
A ficha ainda está caindo. Não parei para pensar, mas tenho consciência de que nada será como antes. Quero fazer coisas boas com esse dinheiro, investir em coisas produtivas para uma coletividade, sem fazer caridade.
Quero também continuar escrevendo, tocar uma carreira literária. Não sei se darão muito crédito, porque os intelectuais torcem muito o nariz para produto de massa, para a indústria cultural.

Folha - Trocaria R$ 1 milhão por uma vaga com autor da Globo?
Wyllys -
Acho que trocaria [risos]. O sonho de qualquer escritor é mobilizar uma massa. Não tenho esse preconceito de achar que a literatura, o livro, tenha um status superior à teledramaturgia.

Folha - O que você já escreveu?
Wyllys -
Tenho um livro de contos, "Aflitos", com 2.000 exemplares publicados. Tenho um romance incompleto e uma sinopse de um livro. É um livro de contos, uma brincadeira em cima daqueles romances "Sabrina", "Júlia" e "Bianca", com essa ficção barata.

Folha - Toparia comandar um programa gay na TV?
Wyllys -
Por que não? Desde que seja uma coisa séria, produtiva, não uma avacalhação. Nunca me imaginei apresentador de tevê.

Folha - Você não temia reação contrária de intelectuais por participar de um "reality show"?
Wyllys -
Eu queria desafinar o coro dos contentes. Queria participar por ser professor universitário e por ser um telespectador crítico. Queria sair dessa análise blasé e antipática em relação aos produtos culturais, que em geral é o tom da maioria dos intelectuais.
Só tinha uma coisa que não queria: sair na primeira semana. Nunca pensei que fosse ganhar.

Folha - Do que sentiu mais falta?
Wyllys -
De TV e de escrever.

Folha - A edição do programa mostrou um afeto muito grande entre você e Alan. Rolou algo mais?
Wyllys -
Não. Senti por Alan uma sincera amizade. Se tivesse me interessado por ele, não teria problema em dizer.

Folha - Quando foi que sentiu que poderia ganhar?
Wyllys -
Nunca. Tudo poderia mudar em uma semana.

Folha - Qual foi o pior momento?
Wyllys -
Quando fui para o paredão com Pink. E tive satisfação ao indicar Rogério.

Folha - No primeiro paredão, declarar ser gay vítima de homofobia não foi uma jogada de risco?
Wyllys -
Não foi uma jogada. Falei aquilo muito honestamente.

Folha - E agora você é uma celebridade nacional...
Wyllys -
Até o próximo "Big Brother". Essas coisas passam, esse fulgor desaparece, a indústria cultural vive dessas "paixonites".
Eu sou a onda do momento, estou na moda agora. A única coisa que peço a todos os santos é que me dêem prudência para fazer o melhor disso.

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