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Obra conta a origem do clássico de Miles Davis
Sai no Brasil o livro em que Ashley Kahn recupera a história de "Kind of Blue"
Pesquisa aborda o antes e o depois das gravações que reuniram, em 1959, Davis, Bill Evans, John Coltrane
e Cannonball Adderley
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No dia 2 de março de 1959,
sete músicos entraram em uma
velha igreja em Nova York
transformada em estúdio sem
saber exatamente o que fariam
ali. O líder, Miles Davis, tinha
algumas idéias, alguns temas,
alguns acordes e pouco mais.
As instruções que deu aos outros músicos -entre eles Bill
Evans, John Coltrane e Cannonball Adderley- não iam
muito além de "sole dois chorus", segundos antes deles começarem a tocar.
Com exceção de uma faixa,
tocada duas vezes, tudo foi registrado no primeiro take, de
maneira espontânea. O resultado dessa gravação e outra, pouco mais de um mês depois, foi o
disco "Kind of Blue", um dos álbuns mais vendidos e cultuados
da história do jazz. E a história
por trás das gravações -tudo
que aconteceu antes e as suas
conseqüências- é o tema do livro "Kind of Blue - A História
da Obra-Prima de Miles Davis"
(2000), de Ashley Kahn, agora
lançado no Brasil. A Folha conversou com o autor.
FOLHA - Por que um livro sobre um
disco?
ASHLEY KAHN - A maioria dos livros de jazz tenta dar tantos detalhes sobre a vida das pessoas,
sobre estilos de vida, sobre um
período, que quando você chega na página dez sua cabeça está girando com tantas informações. Eu pensei, em vez de fazer
isso e dizer tanto, por que não
focar em uma única coisa? Tentei enxergar melhor o mundo
do jazz através de um detalhe. E
que detalhe melhor para isso do
que o disco que é a porta de entrada para o mundo do jazz para tantas pessoas?
FOLHA - Afinal, por que "Kind of
Blue" é um disco tão adorado?
KAHN - É um disco muito acessível, de que qualquer um pode
gostar facilmente, mesmo
quem só se interessa por música clássica, heavy metal ou
rock'n'roll. O som é emocional,
romântico e profundo. É muito
diferente de qualquer outro álbum de jazz. E muito diferente
de qualquer outro álbum de
qualquer outro estilo. É um disco tranqüilo, com o qual é fácil
se envolver, que soa bem até
aos ouvidos mais alienígenas ao
jazz. As melodias são fáceis de
cantarolar, têm a beleza do
blues, de uma maneira fácil de
entender. Era o álbum certo na
hora certa.
FOLHA - Você diz no livro que Miles
não ouvia seus próprios discos.
KAHN - Ele estava sempre mudando. Era um cara muito sortudo porque podia ser assim.
Ele tinha um sucesso atrás do
outro, e não são muitos os músicos que conseguem isso.
FOLHA - Por que isso acontecia?
KAHN - Acho que era uma combinação de fatores. O visual dele, seu som. Aquele som do
trompete, com surdina, era o
som do romance nos anos 50.
Ele tinha uma identidade política e racial muito forte. Os negros americanos o viam como
um ícone. Ele era o músico perfeito para criar um disco que todos poderiam amar. Ele era
descolado, esperto, bonito. É
um ótimo disco para impressionar seus vizinhos, seus amigos ou aquela garota que você
está levando ao seu apartamento pela primeira vez.
FOLHA - Ele realmente tinha talento para criar tendências ou apenas
as seguia na hora certa?
KAHN - Não acho que ele via as
coisas dessa maneira. Ele só
queria pensar na música e odiava tudo que estivesse no caminho, como o racismo. Acho que
seu interesse em usar influências da música africana, clássica
ou folclórica eram idéias intelectuais que refletiam uma curiosidade musical, que fazia os
músicos se desafiarem e levar a
música por novos caminhos.
Era algo que surgia naturalmente e que está sempre presente quando se faz grande música. John Coltrane tinha isso.
Stravinski tinha isso, Thelonious Monk tinha isso, os Beatles tinham isso. E Miles Davis
tinha isso. A mesma coisa que o
fazia tentar essa experiência
modal com Bill Evans era o que
o fazia amar Hermeto Pascoal.
Ele ouvia algo novo, algo que
era diferente do que ele estava
fazendo antes e que o fazia querer experimentar.
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