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MEMÓRIA
Da política ao samba, foi um polivalente
CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A tor, autor e compositor,
Mário Lago foi um dos principais casos de polivalência no cenário artístico brasileiro do século
20. Mais conhecido nas últimas
décadas por seus trabalhos nos
meios televisivo e musical, teve
antes uma destacada atuação no
rádio e no teatro, além do cinema.
Paralelamente, tornou-se um
nome no campo político, como
militante do partido comunista.
Nascido e criado na Lapa, no Rio
de Janeiro, absorveu influências
marcantes no meio familiar. O pai
era maestro, autor de operetas de
sucesso. O avô, anarquista, ex-combatente nas tropas de Garibaldi na Itália. Música e política
começaram a seduzi-lo em casa.
Para fazer a vontade da mãe,
que não gostava de samba nem de
negros, o menino Mário Lago estudou piano com a mulher de Villa-Lobos, Lucília. Mas decidiu
abandonar o instrumento na noite em que, embasbacado, assistiu
a um concerto de Arthur Rubinstein no Rio, em 1924. Daí para a
música popular -e para a Lapa
noturna dos bordéis, bares e cabarés- foi questão de tempo.
Data dessa fase seu envolvimento com a bailarina Ceci, o grande
amor do compositor Noel Rosa.
Mário a "roubou" dele. Mas
-anos depois, em 1947- acabou se casando com uma militante, Zeli Cordeiro, filha de um dirigente do PCB. O casamento pôs
fim à boemia e iniciou uma relação que lhe daria filhos e duraria
para o resto da vida.
Formado em direito, Mário não
exerceu a profissão mais do que
três meses. Ainda jovem, começou a escrever para o teatro de revista, gênero no qual criou peças
de sucesso. Nesse meio, começou
sua associação com o pianista e
compositor Custódio Mesquita,
um de seus principais parceiros (o
outro seria Ataufo Alves).
Mário Lago fez as letras de dois
clássicos com nomes de mulher:
"Aurora", com Roberto Roberti
que Carmen Miranda popularizou nos EUA, e "Ai, que Saudades
da Amélia", samba com Ataufo
Alves. Ao contrário do que se
pensa, a música não teve inspiração em um caso de amor, mas em
uma lavadeira da cantora Aracy
de Almeida, conhecida por ser
muito tolerante e compreensiva.
Na rádio Nacional do Rio, engajou-se na política sindical e liderou greves, como secretário do
sindicato dos radialistas. Por essas
e outras, foi preso várias vezes.
Duas delas, em momentos históricos da política nacional: em abril
de 1964, logo após o golpe militar,
e em dezembro de 1968, após a divulgação do AI-5.
Nessa época já havia atuado no
cinema, inclusive em "Terra em
Transe", de Glauber Rocha. E já
trabalhava na televisão, em longa
parceria com a Rede Globo.
Nas quase cem novelas e seriados de que participou, nutriu um
gosto especial pela representação
de tipos ligados ao poder. Acreditava que assim podia passar um
visão crítica da sociedade.
O início de sua ligação com o
PCB remonta ao período -nos
anos 30- em que o partido era
clandestino, e ele, o "companheiro Pádua". Lago se definia como
"marxista autônomo rebelde".
A clareza e a serenidade que
sempre o caracterizaram com certeza inspiraram Gilberto Gil,
quando este lhe dedicou uma singela canção em 1996: "O Mar e o
Lago". No ano seguinte, montou
o espetáculo "Casos e Canções de
Mário Lago". Em 1999, aos 88
anos, ainda apresentava o show.
No ano passado, Lago ainda teve fôlego para escrever um livro.
Publicou, em 2001, "Reminiscências do Sol Quadrado" (editora
Cosac & Naify), memórias do
tempo em que ficou preso.
Carlos Rennó é jornalista e compositor
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