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"Memórias do Presente" reúne entrevistas publicadas em dez anos de caderno Mais!
Pingue-pongue com os mestres
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
No jargão jornalístico, as entrevistas editadas no formato pergunta e resposta são chamadas de
pingue-pongue. Tal como no tênis de mesa, o entrevistador lança
a bola; o entrevistado rebate.
A semelhança pára aí. Uma rede
separa o pingue-pongue esportivo do jornalístico. No primeiro,
sai vencedor um dos lados da mesa. No segundo, o ganhador deve
ser aquele que assiste à partida.
Durante mais de dez anos, o caderno Mais!, da Folha, vem trazendo importantes personagens
para falar em suas páginas. A partir de agora, uma ampla seleção
dessas entrevistas com os mestres
fica disponível para os leitores
que perderam a oportunidade de
ler os textos no jornal.
Está chegando hoje às livrarias a
primeira parte de "Memórias do
Presente/100 Entrevistas do
Mais!", obra que reproduz conversas com grandes artistas do
Brasil e do resto do mundo.
"Conhecimento das Artes" é o
subtítulo deste primeiro volume,
que reúne 51 entrevistas sobre cinema, literatura, crítica, artes
plásticas, fotografia, arquitetura,
teatro, música e dança (leia ao lado). "Artes do Conhecimento", o
segundo tomo, a ser lançado em
julho, completa o trabalho com
pingue-pongues com filósofos,
cientistas, historiadores, economistas, antropólogos, políticos.
As cem entrevistas foram escolhidas por Adriano Schwartz, editor do Mais! há três anos e desde
1995 no caderno. Para tanto, ele
examinou uma a uma as mais de
500 edições do suplemento dominical, que completou uma década
no ano passado.
O jornalista vê como marca
mais forte do conjunto de conversas "a idéia de formação": "Seja
em seu sentido mais abrangente
(a rememoração dos acontecimentos decisivos de uma vida
desde a infância), seja em sentidos
mais específicos, a formação de
uma idéia, de uma obra, de uma
obsessão", afirma.
Com objetivo muito mais histórico do que conjuntural, os textos
rememoram, por exemplo, a criação de Brasília, por seu desenhista
Lúcio Costa, a constituição de um
cinema brasileiro, da boca de Nelson Pereira dos Santos, o Big Bang
da poesia concreta, em depoimentos de seus três fundadores,
Augusto e Haroldo de Campos e
Décio Pignatari.
E os tête-à-têtes não ficam só
nas raízes do Brasil. O espanhol
Pedro Almodóvar, em sua primeira grande entrevista no país,
fala da influência da literatura em
seu cinema, o americano John Cage comenta (e silencia) o silêncio
de sua música, o italiano Umberto
Eco afirma que foi um educador
toda a sua vida, tanto nas teorias
quanto em seus romances.
"Todo esse material estava dormindo nos arquivos", diz Arthur
Nestrovski, editor da Publifolha,
que está lançando os livros. Idealizador do projeto, como uma espécie de sequência de "Figuras do
Brasil" (Publifolha), volume organizado por ele com textos de expoentes da cultura brasileira publicados nos 80 anos da Folha,
Nestrovski protagoniza também
momentos curiosos desses pingue-pongues (quando um dos
"tenistas" pega a bolinha pra si).
Em uma entrevista com o ensaísta Haroldo Bloom, ele termina
a conversa dando ao autor de "O
Cânone Ocidental" uma tradução
que fizera de texto do argentino
Macedonio Fernández. Bloom
terminaria o livro que escrevia à
época com essa citação.
Recordistas em entrevistas deste primeiro volume de "Memórias do Presente", os jornalistas
Alcino Leite Neto e José Geraldo
Couto, cada um com seis pingue-pongues, também guardam boas
histórias de bastidores.
Couto, hoje colunista da Folha,
encontrou um João Cabral de Melo Neto amargurado, às voltas
com a cegueira. Sofredor de longa
data de dores de cabeça, que combatia com quilos de aspirina, o
poeta confessou: "Entre a dor de
cabeça e a angústia, eu preferia a
dor de cabeça". Da sua cabeça, o
jornalista não apaga ainda o argentino Adolfo Bioy Casares, já
muito doente, com elegante terno
e gravata, dentro de casa.
Leite Neto, um dos três editores
da história do Mais! (Marcos Augusto Gonçalves, hoje editor de
Opinião, completa o trio), não esquece acima de tudo o encontro
que armou entre Júlio Bressane e
Rogério Sganzerla, nomes máximos brasileiros do "cinema marginal" e há anos afastados. "Foi
uma conversa longa. Eles saíram
muito emocionados", lembra o
hoje editor de Domingo da Folha.
Longos são boa parte dos encontros por trás dos pingue-pongues reunidos no livro. A entrevista com José Celso Martinez
Corrêa, na qual o criador do Teatro Oficina fala da racionalidade
de seu trabalho, durou seis horas.
Compridas foram ainda as conversas com Chico Buarque, dos
quais saíram informações raras,
como a de que seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda,
teve um filho na Alemanha.
A mesa está armada. Bons pingue-pongues a todos.
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