São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 2006

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Mostras exibem filmes radicais de japoneses

Em SP, "Oriente Extremo" mostra longas de Suzuki e Miike, entre outros

Produção cinematográfica do país não se resume a Kurosawa e Ozu; CCBB também tem ciclo

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um tsunami mais que esperado desembarca em duas grandes ondas neste mês em São Paulo. O espetacular cinema japonês, que muitos sabem que não se resume aos clássicos Kurosawa, Ozu e Mizoguchi, poderá ser visto em duas mostras. A primeira, "Oriente Extremo", acontece de amanhã até o dia 18, no Cine Olido. A segunda, "Japão Pop", ocupará os CCBB de SP e de Brasília de 28 de junho a 9 de julho. "Oriente Extremo" não se resume ao novo. De fato, a mostra resgata uma tradição do cinema japonês desconhecida ou esquecida por aqui: a de filmes populares e ao mesmo tempo de pura invenção. Dividida em dois blocos -precursores e contemporâneos-, a seleção será exibida em formato digital com legendas em português. Do primeiro bloco, destacam-se "Onibaba", ficção assombrosa em vários sentidos feita por Kaneto Shindo, que mergulha aqui na tradição das histórias de fantasmas, cara ao cinema japonês de ontem e de hoje. "Jigoku", feito por Nobuo Nakagawa, explora a reserva do fantástico dentro de uma história de matriz realista que se desdobra em uma viagem sobrenatural ao inferno, relido aqui numa perspectiva budista. Ainda dos anos 60, a mostra exibe "Cega Obsessão", obra-prima de Yasuzo Masumura. Para narrar a paixão, Masumura recria todo um universo visual a partir de fetiches (um cenário constituído por enormes seios, por exemplo) e alcança um patamar de erotismo que poucos filmes eróticos de fato atingem. A seleção de precursores se fecha com a exibição de dois títulos de Seijun Suzuki, cineasta cultuado por sua geração de contemporâneos. Suzuki começou a dirigir nos anos 50, com filmes que levaram para a tela o universo adolescente e juvenil fervilhante de invenções daquela época no Japão e no mundo. Mas foi na década seguinte que seu registro visual atípico ganhou um culto. Desta fase, a mostra apresenta dois títulos dedicados a heróis yakuza, tema que Suzuki recolheu da tradição para implodir os significados e as regras de representação. O que já é evidente em "Tóquio Violenta" torna-se surpreendente em "A Marca do Assassino". Tal como seu contemporâneo Godard fazia com o cinema àquela altura na Europa, também para Suzuki as regras existem para ser desrespeitadas. Continuidade e contigüidade são ignoradas, os enquadramentos são desenquadrados e a gramática é tratada como camisa de força a ser abolida. O resultado é um cinema de pura invenção, em que a realidade é reinterpretada como ponto de vista gráfico. No bloco dos contemporâneos, a "Oriente Extremo" mantém o alto padrão. Traz "Tetsuo -°O Homem de Ferro", título que levou o Japão de volta ao paladar das descobertas, depois de décadas entregues ao predomínio dos clássicos. Sem recursos e com muita inventividade, esses cineastas romperam as barreiras do realismo, da verossimilhança e do bom gosto para entregar obras que interpretam de forma menos codificada seus fantasmas pessoais e os do Japão. A tecnologia retorna como pesadelo sob a forma de monstruosidades meio homens-meio máquinas em "Tetsuo" e "Dragão Elétrico 80.000 V". Os imprescindíveis são o polêmico "Battle Royale" e os dois filmes de Takashi Miike. Último filme dirigido pelo veterano Kinji Fukasaku, "Battle Royale" provocou uma comoção social no Japão e arrecadou muito nas bilheterias com sua abordagem transgressora da violência. Com estrutura de game, o filme expõe o espectador a tanta violência e é movido por uma lógica destrutiva tão intensa que não se esgota nela mesma. Acaba provocando uma reflexão sobre as implicações da exposição à violência tal como vivida hoje nas variadas formas de entretenimento. Miike, ex-aluno e ex-assistente de direção de Imamura, é um prolífico criador (69 filmes em 15 anos) cujo universo temático e formal ignora a palavra limite. Sinônimo de excesso, seus filmes são tão obscenos que deixam o espectador em dúvida acerca de seu valor estético. A provocação de suas imagens é um antídoto ao mundo limpo e organizado que o Japão oficial transmite e trazem a potência de um vocábulo em desuso: provocação.


ORIENTE EXTREMO
Quando:
de amanhã até dia 18, em horários variados
Onde: Cine Olido (av. São João, 473, SP, tel. 0/xx/11/3334-0001)
Quanto: entrada franca

JAPÃO POP
Quando:
de 28/6 a 16/7, em horários variados
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651)
Quanto: R$ 2 a R$ 4


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