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Fora da estante
Grupos difundem ficção com bula de remédio, cartazes e mimeógrafo
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
A "literatura de gaveta", a velha
ladainha do "escrevo coisas maravilhosas, mas ninguém publica",
está sendo engavetada. E este não
é mais um texto sobre como a internet ou os blogs permitem que
qualquer um "mostre ao mundo"
as suas fantásticas ficções.
O papel, lar doce lar da literatura, é parceiro preferencial de toda
uma safra de jovens escritores.
Quanto ao resto todo, editoras, livrarias, distribuidoras e outros
braços do mercado, esqueça.
A partir da semana que vem,
por exemplo, você pode topar
com ficção inédita de qualidade
no muro de um boteco, na fila de
espera de um restaurante baiano,
no cinema ou na carcaça de uma
van onde se vendem baguetes.
Essas são algumas das "livrarias" onde estarão distribuídas as
criações do "Na TáBUA". O projeto, que será lançado nesta quinta-feira, no bar Mercearia São Pedro, em São Paulo, literalmente
coloca a literatura na parede.
Criado pelo escritor Paulo Scott
e pelo ilustrador e quadrinista Fábio Zimbres, o "Na TáBUA" publica a cada mês três cartazes, cada um com uma ficção curta na
metade de cima e um desenho
preenchendo o andar de baixo.
As folhas tamanho A3 serão coladas em pontos variados de cinco
capitais, Rio, Curitiba, São Paulo,
Belo Horizonte e a Porto Alegre
dos coordenadores do projeto.
Foi lá, em um evento chamado
"PÓQUET: Ruído e Literatura",
que nasceu a idéia de colocar as
atuais criações em cartaz. Nessa
série de "happenings", que fez barulho nas quartas-feiras do underground gaúcho em 2002 e
2003, um dos itens mais cultuados
eram seus cartazes.
Se no princípio não havia o verbo, eram só ilustrações e os nomes dos participantes, os cartazes
agora ganham textos, textos de
todas as gramaturas.
O único limite são os 1.800 caracteres, mas vale tanto prosa
quanto verso, de autores consagradões, como Sérgio Sant'Anna
ou Luis Fernando Verissimo, de
escritores jovens, mas já com estrada, como Marçal Aquino e Joca
Reiners Terron, de autores inéditos, como Cecília Giannetti.
A primeira edição do "Na TáBUA", que a cada mês vai lançar
três cartazes, terá ilustrações de
Zimbres e prosas do já premiado
Luiz Ruffato e dos "jovens experientes" Daniel Galera e do próprio Paulo Scott.
O escritor diz que a idéia do projeto é "veicular ficção, não ficar
reclamando que não tem espaço".
Aos 37 anos, o skatista e professor
de direito econômico da PUC-RS
já tem dois livros de contos publicados, por editoras pequenas do
Sul, mas diz que não dá para depender das livrarias. "Elas só expõem os grandes autores, que as
editoras apostam."
Zimbres, 44, é um exemplo
"ilustrado" disso. Um dos criadores da extinta e prestigiada revista
de HQ "Animal", ex-colaborador
da Folha, o quadrinista terá suas
ilustrações em uma edição do livro "Panamá", de Blaise Cendrars, saindo no próximo mês na
Espanha. Uma editora da França
também convidou Zimbres, que
já publicou na Argentina, para
um livro. No Brasil, necas.
Se o visual é metade do caminho
do "Na TáBUA", que já tem previstas 30 edições, cada uma com
tiragem de cem exemplares de cada trio de cartazes, no caso do recém-criado Grupo Mimeógrafo é
o que menos importa.
Formado por três jovens escritores que se conheceram na oficina literária do escritor gaúcho
Luiz Antonio de Assis Brasil, o coletivo recupera o aparelho usado
nos anos 70 por um grupo de poetas marginais, como Chico Alvim,
Cacáso e Waly Salomão (chamados de Geração Mimeógrafo), para difundir literaturas que eles
mesmo produzem ou que recebem por internet ou correio.
"A idéia é trazer de volta a parte
lúdica da literatura", conta Cristiane Lisbôa, 22, que criou o grupo com Jeferson Mello Rocha e
Telma Scherer.
Pilotando uma máquina emprestada pela "paróquia da cidade
da família da Telma, Lajeado
[RS]", eles organizam distribuições de até cem folhas em eventos
como a Flip, em Parati, ou nas
ruas, feiras livres, bares.
"Os blogs facilitaram o contato
dos autores, mas não permitem
essa coisa legal de pessoas se encontrarem para darem entre si literatura de graça", diz Lisbôa.
Ela leva essa missão adiante em
outra frente também. Com as
amigas Alessandra Piccoli e Ana
Carola Biasuz, criou a "micra"
editora FinaFlor, que já publicou
dois "livros" gratuitos (distribuídos no circuito São Paulo, Rio,
Porto Alegre e com versões traduzidas em Londres e Barcelona).
Um deles exemplifica bem os livros "fora da estante": "Pequenos
Pedaços Soltos de Histórias de
Amor Verdadeiras", da própria
Lisbôa, editado em formato de
marcador de livros. O outro trabalho distribuído foi editado como um bloco de anotações.
A FinaFlor, que só publica mulheres iniciantes, terá também livros que serão vendidos, mas não
pelas prateleiras convencionais.
"As livrarias ficam com 40% do
valor dos livros, credo!", brinca.
Seguindo esse raciocínio foi que
nasceu a cooperativa de escritores
Edições K, que só vende por internet e em lançamentos como o de
seus primeiros quatro títulos, nos
dias 9/8, no Rio, e 11/8, em SP.
"A idéia é driblar os intermediários, notadamente as distribuidoras de livros, e chegar o mais diretamente possível ao leitor", diz o
escritor Delfin, 32, de Campinas,
autor de "Kreuzwelträtsel".
Ele conta que a idéia do coletivo
partiu da experiência de outro
dos autores inaugurais da K ,
Marcelo Benvenutti, que lançou
por conta própria "Livro-Laranja" no ano passado.
Benvenutti, que publica agora
os contos de "Ovo Escocês", faz
seu auto-retrato como alguém
que não é "nenhum maldito, underground, alternativo ou indie
para temer ganhar dinheiro escrevendo". A idéia era viabilizar a
edição de seus textos do jeito que
desse. "Quero é ser lido, reconhecido e viver confortavelmente
perto das pessoas que amo."
Enquanto isso não acontece
com uma turma de autores de
Campos (RJ), eles distribuem literatura de outro jeito pouco convencional. "O livro impresso não
vem, então distribuímos nas
apresentações da Mutável Saralho
Band "bulas de remédio" com os
contos que serão lidos", diz um de
seus autores, Jorge Rocha, também do grupo Terra Plana, exemplo desse cenário literário brasileiro em que quem não tem brioche come mesmo pão francês.
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