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"A GERAÇÃO AI-5 & MAIO DE 68"
Ensaios de Luciano Martins publicados originalmente em 1969 e 1979 são reunidos
Jovens eram frutos da "cultura autoritária"
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Dois ensaios escritos em revista e jornal, em 1969 e 1979,
são agora republicados em livro.
Todo texto é datado. A questão é
saber se hoje o texto ainda despertará interesse no leitor pela forma
e pelo conteúdo, ou por ambos,
principalmente se lido e apreciado em razão do que está acontecendo no presente.
Quanto ao ensaio referente ao
maio de 1968 na França, existe
uma enorme bibliografia, e não
há nada que possa ser considerado original e relevante no trabalho de Luciano Martins, que, aliás,
o escreveu de Paris ou em Paris,
sob influência do famoso (sobretudo para nós) sociólogo francês,
Alain Touraine, que volta e meia,
visitando o Palácio da Alvorada,
timbra em dar dicas e palpites sobre o destino do povo brasileiro.
Quanto ao ensaio sobre a "geração AI-5", título que não é um
bom achado para designar a situação existencial dos jovens cariocas que tinham entre 16 e 20
anos em 1968, existe nele alguma
ousadia e afoiteza na interpretação, o que não significa no entanto lucidez e acerto em tudo o que é
dito. O objeto desse ensaio são as
"ipanemias" prosaicas e drogadas
da juventude de elite do Rio de Janeiro: praia, bar, festinha e sexo.
Valendo-se de um discurso "desarticulado", segundo o autor,
com um léxico bastante exíguo
("desbunde", "barato", "bode",
"curtir"), haurido da experiência
com a droga, essa juventude aparece como fruto alienado e alienante da "cultura autoritária".
Mera atitude evasiva, se bem que
o avesso do desbunde, a guerrilha,
seja também considerada um
equívoco aos olhos do professor
que nessa época vivia na Europa.
A "cultura autoritária" é um
equivalente, no plano dos costumes, ao conceito mal-ajambrado
de "autoritarismo político", que
colocava menos ênfase no golpe
de 64 do que na repressão do AI-5. Curiosamente esse discurso sobre o "autoritarismo" mais tarde
acabou por chegar ao poder e nele
permanecendo durante longos
oito anos. A questão do golpe de
64 é o imperialismo; o drama da
"cultura autoritária" é a supressão
de liberdades democráticas. Uma
vez restabelecidas, o imperialismo torna-se volátil, deixando de
existir, inclusive para o saber sociológico concatenado, acadêmico, articulado, milionário do ponto de vista lexical especializado.
"O autoritarismo reprime a crítica por arrogância; a geração AI-5 por fragilidade. Ambos se completam na mesma tarefa de liquidação no pensamento crítico."
Então marxista ou marxizante,
Martins estava com a razão em dizer que a contracultura negava a
possibilidade de apreender os laços causais entre as coisas. Mas isso não aconteceria apenas com as
ipanemias irracionalistas. O tal do
pluralismo pós-moderno, tão caro à ideologia neoliberal, também
não é afeiçoado ao estabelecimento das causas entre os fenômenos.
A "cultura autoritária" se dissipou com os governos democráticos de Sarney a Lula, mas a atual
juventude não se droga menos,
nem possui um rico vocabulário à
Coelho Neto, tampouco o "pensamento crítico" imprimiu orientação à sociedade e à cultura nas últimas décadas. Tanto os mestres
"caretas" quanto os espiroquetas
da contracultura estiveram e estão juntos no poder.
É sintomático: na primeira nota
em rodapé o autor mete o sarrafo
em Glauber Rocha: gênio em
"Terra em Transe" (1967) quando
"se dedicava mais ao cinema do
que a fazer apologia do poder". O
cineasta dizia que droga não dá
luz a cego. Em 1974, ele anteviu o
que viria a ser ideologicamente a
paidéia tucana e o principado da
sociologia.
A Geração AI-5 & Maio de 68
Autor: Luciano Martins
Editora: Argumento
Quanto: R$ 23 (166 págs.)
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de
"A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela)
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