São Paulo, terça-feira, 31 de julho de 2007

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Cineasta Ingmar Bergman, um dos maiores do século 20, morre aos 89 anos

Filha do diretor diz que ele teve morte "calma e suave"; anúncio comove a Suécia e repercute em todo o mundo; enterro será reservado aos familiares e amigos íntimos

Jonte Wentzell - Expressen Pressens Bild - 22.dez.2000/Associated Press
O diretor sueco Ingmar Bergman, em dezembro de 2000


DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta sueco Ingmar Bergman teve uma morte "calma e suave", aos 89 anos, em sua casa na ilha de Farö, no mar Báltico, onde vivia sozinho, desde a morte de sua quinta e última mulher, Ingrid Karlebo von Rosen, em 1995.
O anúncio da morte do diretor foi feito ontem por sua filha Eva Bergman. Ela não mencionou nem a causa, nem a data precisa da morte de Bergman, que tinha outros oito filhos.
O escritor sueco Henning Mankell, genro do cineasta, disse haver percebido que ele "estava de partida" quando o visitou na semana passada. "Era um homem velho, que morreu em sua cama. Um velho coração que deixou de bater."
Sem dirigir filmes desde 2003, quando lançou "Saraband", releitura de seu clássico "Cenas de um Casamento" (1973), Bergman era "o último dos maiores", na definição do crítico e presidente do Festival de Cannes, Gilles Jacob.
Bergman tratou sempre das questões da infância, do amor e da morte em sua obra, iniciada em 1945, e foi considerado genial pela capacidade de subverter regras e incorporar novos elementos à linguagem do cinema vigente no século 20.
É traço de Bergman transformar o rosto dos atores num elemento dramático de seus filmes, ao aproximar a câmera dos personagens muito além do que se costumava fazer.
A liberdade de narrar histórias fragmentadas é outra característica sua. Ele influenciou gerações de diretores, entre os quais o mais famoso é Woody Allen, cujo "Desconstruindo Harry" homenageia "Morangos Silvestres". "Ele é provavelmente o maior diretor, desde a invenção da câmera", disse Allen sobre Bergman.
O sueco desistira (temporariamente) do cinema em 1982, quando anunciou que passaria a dedicar-se exclusivamente ao teatro, após o longa-metragem "Fanny e Alexandre", que marcou seu retorno à Suécia, e foi consagrado internacionalmente -teve seis indicações ao Oscar e venceu quatro estatuetas.

Memórias
O diretor se instalara na Alemanha, em 1976, depois de enfrentar uma escandalosa acusação de evasão fiscal em seu país. Chegou a ser detido para depor. Antes de ser absolvido, Bergman teve uma crise nervosa que o levou à internação.
Em suas memórias, ele conta que, nessa época, suas finanças eram geridas por um advogado e que assinou papéis sem ler.
"Fanny e Alexandre" faz um acerto de contas com a Suécia e a tumultuada infância do diretor. Bergman nasceu em Uppsala, a 70 km de Estocolmo, e foi criado segundo as rígidas regras de seu pai, um pastor protestante do qual ele se recordava como "um monstro frio".
No livro autobiográfico "A Lanterna Mágica", ele descreve as memórias da infância e o impacto delas em sua vida adulta.
O título se refere ao objeto que seu irmão ganhou, certa vez, de presente de Natal. A traquitana, espécie de precursor do projetor de slides, deixou Bergman consumido de inveja, até que conseguiu trocá-la com o irmão, por uma coleção de soldadinhos de chumbo.
Para a documentarista Marie Nyreröd, diretora de "Ingmar Bergman Completo", o diretor relembra esse episódio como inaugural de seu interesse pelo cinema, mas conta que o fascínio pelo teatro era anterior.
Com a irmã, costumava encenar espetáculos de bonecos.
Em 1940, Bergman formou-se na Universidade de Estocolmo e, dois anos mais tarde, tornou-se diretor-assistente do Teatro Dramaten. De 1963 a 1966, ele dirigiu o Royal Dramatic Theater, em Estocolmo, conduzindo paralelamente a carreira de cineasta, iniciada com "Kris" (crise), de 1945.
O primeiro sucesso internacional veio dez anos mais tarde, com "Sorrisos de uma Noite de Amor", premiado como melhor comédia em Cannes.
Produzindo ininterruptamente até 1982 -com freqüência, dois títulos por ano-, Bergman dirigiu, em toda a sua carreira, 54 filmes, entre títulos para cinema e TV. No teatro, foram 126 montagens.
Autor de clássicos como "A Fonte da Donzela", "O Sétimo Selo", "Morangos Silvestres" e "Sonata de Outono", Bergman tinha "Persona" e "Gritos e Sussurros" como suas obras preferidas, segundo declarou a Nyreröd. "Foi o mais longe a que cheguei", disse.
Embora tenha sido casado cinco vezes, a mais notória relação amorosa de Bergman foi a que manteve nos anos 60 com a atriz Liv Ullmann, com quem teve uma filha, Linn.
Bergman e Ullmann fizeram dez filmes juntos. Em 2003, ela dirigiu "Infiel", cujo roteiro (dele) baseia-se na relação dos dois. Quando interrompeu seu jejum da direção de cinema para filmar "Sarabanda", originalmente uma produção para TV, Bergman usou uma metáfora bíblica para descrever como se sentia. Disse que se descobriu "grávido de um filme", assim como Sara, que, segundo a Bíblia, engravida na velhice.

Ilha de Farö
Desde que decidiu morar em Farö, a ilha que foi cenário para diversos de seus filmes, Bergman ganhou fama de misantropo. Contudo, o diretor continuava atento à produção artística de seu país, como demonstrou no documentário "Ingmar Bergman: Intermezzo" (2002).
Entrevistado pelo jornalista sueco Gunnar Bergdahl, Bergman, vestido informalmente e calçando tênis, comenta os filmes da nova geração de diretores suecos, como os de Lukas Moodysson ("Amigas de Colégio"), e conta que, na velhice, tornou-se insone.
A família de Bergman anunciou que o enterro do corpo do diretor ocorreria em cerimônia privada, para amigos íntimos. Â


Com agências internacionais

Veja cenas de filmes e entrevista com o diretor Ingmar Bergman www.folha.com.br/ilustradanocinema

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