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Lorca e o sexo
Historiador Ian Gibson, que esclareceu a
morte do maior poeta espanhol, escreve sobre como os amores frustrados do autor moldaram sua obra literária
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Nenhum verso de Federico
García Lorca fala de sua homossexualidade. Sua única
obra explícita nesse sentido, a
peça "El Público", foi encenada
só 42 anos depois que ele morreu, fuzilado por franquistas na
Guerra Civil Espanhola.
Naquele ano de 1936, aos 38,
Lorca escreveu num poema
que queria matar a única testemunha do assassinato de suas
flores, converter seu pranto e
suor num duro monte de trigo.
Foi por metáforas truncadas
e enredos trágicos, a verter sangue, que Lorca, o maior poeta
espanhol, expressou sua frustração por amar homens que
nunca corresponderam a seu
afeto. A história, até uma geração atrás, calou a esse respeito.
"É difícil explicar os milagres
do amor", diz o historiador Ian
Gibson, maior especialista em
Lorca. Ele lançou neste ano um
livro que associa de forma explícita as tramas e os versos de
Lorca à sua homossexualidade
-"Lorca y el Mundo Gay", que
saiu pela Planeta espanhola.
Não é um dado novo de sua
biografia, mas só depois que os
irmãos de Lorca morreram é
que foi possível pesquisar isso
em seus arquivos pessoais.
"Nenhum crítico se atrevia a
falar disso, porque implicava
não ter acesso aos arquivos",
diz Gibson. "O irmão de Lorca
não aguentava isso, era tabu."
No caso de Gibson, irlandês
radicado na Espanha, só foi
possível porque foi ele quem
esclareceu de uma vez por todas as circunstâncias do assassinato de Lorca em Granada.
É um obcecado confesso pelo
autor, passou mais de 40 anos
revirando sua vida e a dos poetas de sua geração. Conseguiu
relatos das últimas testemunhas da guerra e documentou
tudo à revelia do conservadorismo espanhol, que foi vendo
se dissipar aos poucos.
Mas demorou. Seu livro decisivo, "La Represión Nacionalista de Granada", de 1971, em que
relata detalhes do assassinato
de Lorca e outros poetas, foi
proibido na Espanha, tendo de
ser publicado em Paris.
Gibson acabou deixando o
país e só voltou dois anos depois da morte do ditador Francisco Franco, nos anos 70. Virou cidadão espanhol e hoje vê
no país um clima de abertura
parecido ao auge da Madri fabulosa em que conviveram Lorca, Salvador Dalí e Luis Buñuel.
Só não esquece, em sua leitura de Lorca e da Espanha, que
este é um "mundo de silêncios,
um país trágico que não pôde
ser o que poderia ter sido". Eco
da frustração de García Lorca e
todos os seus desamores.
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