São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009

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Lorca e o sexo

Historiador Ian Gibson, que esclareceu a morte do maior poeta espanhol, escreve sobre como os amores frustrados do autor moldaram sua obra literária

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Nenhum verso de Federico García Lorca fala de sua homossexualidade. Sua única obra explícita nesse sentido, a peça "El Público", foi encenada só 42 anos depois que ele morreu, fuzilado por franquistas na Guerra Civil Espanhola.
Naquele ano de 1936, aos 38, Lorca escreveu num poema que queria matar a única testemunha do assassinato de suas flores, converter seu pranto e suor num duro monte de trigo.
Foi por metáforas truncadas e enredos trágicos, a verter sangue, que Lorca, o maior poeta espanhol, expressou sua frustração por amar homens que nunca corresponderam a seu afeto. A história, até uma geração atrás, calou a esse respeito.
"É difícil explicar os milagres do amor", diz o historiador Ian Gibson, maior especialista em Lorca. Ele lançou neste ano um livro que associa de forma explícita as tramas e os versos de Lorca à sua homossexualidade -"Lorca y el Mundo Gay", que saiu pela Planeta espanhola.
Não é um dado novo de sua biografia, mas só depois que os irmãos de Lorca morreram é que foi possível pesquisar isso em seus arquivos pessoais.
"Nenhum crítico se atrevia a falar disso, porque implicava não ter acesso aos arquivos", diz Gibson. "O irmão de Lorca não aguentava isso, era tabu."
No caso de Gibson, irlandês radicado na Espanha, só foi possível porque foi ele quem esclareceu de uma vez por todas as circunstâncias do assassinato de Lorca em Granada.
É um obcecado confesso pelo autor, passou mais de 40 anos revirando sua vida e a dos poetas de sua geração. Conseguiu relatos das últimas testemunhas da guerra e documentou tudo à revelia do conservadorismo espanhol, que foi vendo se dissipar aos poucos.
Mas demorou. Seu livro decisivo, "La Represión Nacionalista de Granada", de 1971, em que relata detalhes do assassinato de Lorca e outros poetas, foi proibido na Espanha, tendo de ser publicado em Paris.
Gibson acabou deixando o país e só voltou dois anos depois da morte do ditador Francisco Franco, nos anos 70. Virou cidadão espanhol e hoje vê no país um clima de abertura parecido ao auge da Madri fabulosa em que conviveram Lorca, Salvador Dalí e Luis Buñuel.
Só não esquece, em sua leitura de Lorca e da Espanha, que este é um "mundo de silêncios, um país trágico que não pôde ser o que poderia ter sido". Eco da frustração de García Lorca e todos os seus desamores.


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