São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2001

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Sherlock Holmes


Livro publicado na Inglaterra lança hipótese sobre as origens do personagem de Conan Doyle


MONSTRO QUE REVIVEU DETETIVE FAZ CEM ANOS

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

É hora de Sherlock Holmes apagar velinhas novamente. Dessa vez, a efeméride que se comemora é a dos cem anos do lançamento de "O Cão dos Baskervilles", uma das mais famosas aventuras do extravagante detetive criado pelo escritor escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930).
A primeira publicação da história, em Londres, foi na "Strand Magazine", entre agosto de 1901 e abril do ano seguinte. No Brasil, existem hoje cinco edições da obra (Ediouro, Melhoramentos, Ática, Nova Fronteira e LP&M).
Conan Doyle pode não figurar no primeiro time da literatura britânica, mas a longevidade e a popularidade de Sherlock Holmes o legitimam como um dos mais importantes escritores vitorianos.
Já a nebulosa história pessoal do escritor é motivo constante tanto de investigações sérias como de especulações. Parte importante da documentação está em poder dos herdeiros, o que abre algumas lacunas para inúmeras teorias.
O pesquisador inglês David Pirie acaba de lançar na Inglaterra o livro "The Patient's Eyes", romance que reconstitui o ano de 1878, em que Doyle, estudante universitário de medicina, encontra o médico Joseph Bell, que inspiraria Sherlock Holmes.
"The Patient's Eyes" integra uma trilogia de livros baseados na série televisiva "Murder Rooms", dirigida por Pirie, que investiga as origens de Holmes e vai ao ar na Inglaterra pela BBC. Em setembro, estréia nova temporada.
Para Pirie, o ano de 1878 foi dramático para Doyle. O escritor retornou para sua casa em Edimburgo, em crise sobre seu curso de medicina na universidade local. Encontrou o pai, alcoólatra, trancafiado num quarto, onde aos poucos enlouquecia. A mãe, por sua vez, havia confiado sua afetividade e as contas da casa a um jovem médico, que se mudara para lá durante a ausência de Doyle.
Quando ia desistir do curso, Doyle é "conquistado" por Joseph Bell, um professor excêntrico, performático, misterioso, que possuía um infalível "método" de dedução por observação.
Os dados biográficos da vida de Doyle surgem, em "The Patient's Eyes", contados por meio de uma ficção, narrada ao estilo de uma história de Sherlock Holmes. Depois deste volume serão editados, em 2002, "Cream" e "The Death of Sherlock Holmes".
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Pirie deu à Folha, por telefone, da Inglaterra.

Folha - Por que você resolveu investigar a ligação entre Conan Doyle e o médico Joseph Bell?
David Pirie -
Incomodava-me a idéia, tão difundida por historiadores e pela imprensa, de que Doyle não gostava de seu personagem, chegando ao ponto de matá-lo e esforçar-se por esquecê-lo. Sabia que havia mais afetividade de Doyle em relação a Holmes do que o escritor dizia.

Folha - Já era conhecido o fato de que Doyle utilizara Bell como modelo para criar Sherlock Holmes. O que você pretendia descobrir?
Pirie -
Sempre se falou que Bell inspirou a criação de Sherlock Holmes por causa de seu método analítico de dedução. Mas, até hoje, não era muito mencionado que Bell também ajudava a polícia de Edimburgo a solucionar crimes.

Folha - Acha que Doyle teria buscado em Bell uma figura paterna?
Pirie -
Sim, o tema das histórias de Holmes é familiar e mostra que Doyle buscava entender coisas que se passavam entre quatro paredes com pessoas, em geral, do mesmo laço sanguíneo. Em 1878, em um quadro de crise familiar, Doyle encontra Bell, homem intrigante que lhe desvenda o mundo novo e misterioso dos crimes.

Folha - E então surgiu Holmes?
Pirie -
Sim, foi a dor daquele momento que criou Sherlock Holmes. Por isso digo que, se hoje Holmes é tão conhecido que parece ser uma pessoa que realmente existiu, talvez não estejamos tão errados, talvez sintamos isso porque ele existiu mesmo.

Folha - Mas, se Bell é mesmo Holmes e Doyle é Watson, o escritor teria realmente participado de investigações com o mestre?
Pirie -
Talvez. Mas o que me interessa é mostrar como a possibilidade de formar uma dupla de investigação com Bell atormentou Doyle. Desejava isso, mas era difícil conviver com o médico. A personagem de Holmes acomodava as expectativas de Doyle em relação a Bell. Era uma idealização.

Folha - Por que Doyle manteve segredo sobre a origem de Holmes?
Pirie -
O assunto dos livros era o que havia de obscuro sobre as relações pessoais da sociedade vitoriana, muito fechada. Muitos dos crimes inspiram-se em casos verídicos. Doyle angustiava-se com a perspectiva de ser descoberto.

Folha - Ao apontar tantas semelhanças entre personagens e fatos fictícios e verdadeiros, não acha que diminui o talento e a imaginação de Doyle como criador?
Pirie -
Isso não o diminui, seu texto é rico. Doyle dizia que suas histórias eram menos complexas que a realidade que observava.

Folha - Para você, qual é a razão pela qual Doyle "matou" Holmes?
Pirie -
A "morte" de Holmes faz parte da angústia da exposição. Doyle tira Holmes para fugir da dor que carregava desde 1878.

Folha - Como imagina que tenha sido para Doyle reviver Holmes em "O Cão dos Baskervilles"?
Pirie -
Acho que foi duro, foi uma decisão que tomou sob grande pressão. Doyle acabou fazendo um livro maravilhoso, e de novo por causa da dor.


THE PATIENT'S EYES - De: David Pirie. Editora: Random House. Inglaterra, 2001. Quanto: 11 libras (250 págs.). Onde comprar: www.amazon.co.uk, www.waterstones.co.uk



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