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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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MÔNICA BERGAMO

O socorro luxuoso dos estilistas

Quem entra no ateliê de Alexandre Herchcovitch, nos fundos de sua loja em São Paulo, encontra junto às roupas mais inventivas da coleção um papelzinho escrito a mão: "Peças do Wagner". Wagner Marquette é o segredo mais bem guardado do estilista. O modelista, profissional que transpõe os desenhos planos para o mundo tridimensional, trabalha com ele desde que a marca foi criada, há dez anos. Detalhe: Marquette mora em Nova Friburgo, no Rio, é funcionário da fábrica de lingeries Triumph e vem todo fim de semana para São Paulo.
Herchcovitch, 32, explica a razão do trabalho longevo de Marquette: "A modelagem é tão importante quanto a criação. Eles se completam. Com o Wagner, aprendi a ser ainda mais detalhista, aprendi detalhes de anatomia e conheci novos acabamentos de alta-costura porque a mãe dele fazia roupas de festa", diz. Marquette cuida do supra-sumo de Herchcovitch: modela cerca de dez das 250 peças que compõem cada coleção.
Todo estilista tem o seu Marquette. Seja modelista ou costureira, essa espécie de imediato é o auxiliar que resolve os imbróglios da criação quando tudo parece perdido.

Pão de queijo e roseira
No caso do estilista mineiro Ronaldo Fraga, 35, a costureira Nilza Vilela, que o acompanha desde 1989, foi decisiva na criação de seu estilo, segundo ele: "Ela me recebe com pão de queijo, biscoito e bolo numa casa com pé de manga e roseira. Isso foi fundamental para a minha formação e para a identidade do meu produto. Persigo uma ancestralidade nas roupas que vem da mão de mulheres como a dona Nilza".
As costuras aparentes que viraram uma das marcas de Fraga também têm origem nas mãos da costureira, segundo o estilista. "As peças que ela faz são tão bem acabadas que dá vontade de usar no avesso. Era o que eu fazia com as roupas dela."
Karla Girotto, 26, conta que o encontro da costureira boliviana Lucila, que fazia vestidos de noiva em São Paulo, teve um impacto na sua criação. "Uso muito essa técnica artesanal que vem das roupas de noiva. Quando eu não tinha a Lucila, era uma loucura. Cada peça ficava de um jeito. Ela me ensinou muita coisa sobre montagem."

Neve no Rio de Janeiro
Oskar Metsavaht, 42, um médico especializado em medicina esportiva que se reinventou como estilista ao criar a Osklen em 1988, aprendeu bem mais com a costureira e modelista Lúcia Vieira Ribeiro. "Foi ela quem me ensinou a fazer casacos de neve. Eu sabia muito bem o que eu queria: um casaco que aguentasse nevascas de menos 20 graus. Mas não sabia como fazer isso. Como não estudei moda, aprendi a técnica de costura com ela."
Mais antiga dos 270 funcionários da Osklen, ela hoje cuida das peças-piloto da marca, que são enviadas a 20 ateliês independentes de costura, responsáveis pela confecção.
Lúcia vê com ironia o fato de criar roupas para neve em São Cristóvão, bairro da zona norte do Rio de Janeiro onde o termômetro no verão passa dos 40 graus. "É engraçado e às vezes muito inconveniente. A roupa é pesada, quente. Mas gosto porque é um desafio. Só nós fazemos esse tipo de roupa por aqui."

bergamo@folhasp.com.br

MARIO CESAR CARVALHO (interino) com CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME

RONALDO FRAGA & DONA NILZA

Nilza Vilela nasceu na roça em Bambuí, uma cidade do interior mineiro com pouco mais de 20 mil habitantes, a 220 km de Belo Horizonte. Trabalha desde os 13 dos seus 66 anos, diz não saber "conversar muito bem", mas não tem preconceito. "Aceito tudo. Assim a gente sofre menos." Camisetas com peitos estampados? "Tudo bem." Transparências? "Acho lindo." "Dona" Nilza, como é conhecida, diz que só se assustou com as roupas de Ronaldo Fraga no começo. "Era muita doideira para uma mulher do interior. Mas agora eu gosto das maluquices que ele faz. Já tirei até retrato com peruca de Bombril junto com o Ronaldo."
A peça predileta dela é um colete de tela repleto de balões amarelos de borracha. "Ficou muito bonito, muito maleável. No corpo, parecia uma galinha cheia de pena. Uma beleza." Roupas do Ronaldo, ela diz usar, mas "não as tão doidonas". "Não dou conta. Uso vestido soltinho porque sou cheinha. Ele me dá." Quem adora as peças mais inventivas do estilista, segundo ela, são os seus filhos. "Quando não podem comprar, eles fazem igual", revela.

HERCHCOVITCH & WAGNER

Wagner Marquette, 40, é um modelista sofisticado. "Trabalho com desconstrutivismo, um termo que veio da engenharia para a moda", explica, referindo-se à tendência de descontruir as proporções clássicas das roupas. Wagner é tão obcecado pelo seu trabalho com Alexandre Herchcovitch que acredita ser um duplo do estilista na produção: "Eu sou os olhos do Alexandre. Sei como ele vive, do que ele gosta, e levo esse gosto para as roupas".
Uma das coisas de que Herchcovitch mais gosta, segundo ele, é buscar novas técnicas de modelagem. Marquette diz que o estilista foi o primeiro no Brasil a criar vestidos em que o busto não tem pregas na lateral, mas o pano é moldado como se fosse uma escultura. "É o encaixe perfeito. Não gosto de ficar divulgando isso, mas criamos muitas técnicas novas aqui", afirma.
Curiosamente, é o antípoda visual da moda inventiva que ajuda a criar. Veste-se sempre, diz, de jeans ("alguns do Alexandre"), pólo Lacoste e tênis.

OSKAR & DONA LÚCIA

Modelista da Osklen, Lúcia Vieira Ribeiro, 51, criou uma improvável ponte entre São Cristóvão, na zona norte do Rio, e o Alasca, o gélido Estado americano onde os casacos que ela faz são usados. "Não deixa de ser uma arte que uma roupa feita em São Cristóvão aguente nevascas", elogia Oskar Metsavaht, dono da marca.
Ponte mais difícil é fazer a roupa cruzar as fronteiras sociais. "Compro Osklen para minhas filhas, tenho 40% de desconto, mas mesmo assim é caro", conta ela, que ganha o equivalente a cinco salários mínimos ("não tenho do que reclamar"). Após refletir alguns segundos, ela retifica: "Não é a peça que é cara. É a gente que ganha pouco."

KARLA & LUCILA

Lucila, 32, é uma espécie de costureira dos sonhos de qualquer estilista. Formou-se na Bolívia numa escola famosa por exportar alfaiates. Há um ano e meio em São Paulo, onde tenta legalizar sua situação como imigrante (por isso ela não revela o seu sobrenome), aprimorou seus conhecimentos de bordados fazendo vestidos de noiva. "Ela tem uma técnica artesanal rara", diz Karla Girotto. A costureira também elogia a estilista: "Ela tem um estilo futurista e não copia". Só que Lucila não usaria a maioria das roupas de Karla. "Sou adventista, e algumas peças mostram mais do que deveriam." Karla não vê problemas na restrição -faria uma roupa para ela ir à igreja.


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