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DISCO/CRÍTICA
Piano lancinante, autor maravilhado, música maluca
DO ENVIADO A BELO HORIZONTE
A balada do louco ganha
nova configuração a partir
desta semana, quando "Let It
Bed" enche de música criativa
brasileira as bancas de jornal.
Arnaldo Baptista consagrou-se
como o maior patinho feio da tropicália, movimento de altos teores
de inventividade e profusão de
patinhos feios, cisnes, princesas,
reis renunciados. Consumou o
próprio mito, que já prenunciava
na "Balada do Louco" de 1972,
composta com sua alma gêmea
musical, Rita Lee. Hoje, supera
sofrimentos, traumas e os preconceitos que teimam em circundar a "loucura". "Let It Bed" zomba do mito, com muito amor.
O mote da zombaria é "Everybody Thinks I'm Crazy", cançoneta de 1941, recolhida de um desenho animado do Pica-Pau: "Todo mundo pensa que sou louco/
(...) sou louco, o que posso fazer?".
Rita Lee atestara o mesmo em seu
"Acústico MTV" (98), encerrando uma releitura de "Balada do
Louco" com o bordão do Pica-Pau. A "loucura" de duas almas
que ainda vibram numa mesma
freqüência era filha de um cartum, cândida delícia, doce deleite.
"Let It Bed" será assimilado
com dificuldade por quem exija
convenções musicais caretas. Seu
autor é um homem que cindiu
sua vida em duas, com uma morte
entre elas. A sabedoria e a generosidade de John Ulhoa e Rubinho
Troll nascem da plena consciência disso. Seu intuito intuitivo era
dissolver o preconceito vigente do
casamento entre loucura e inatividade, perda e incapacidade.
"Let It Bed" é pleno em sua heterodoxia. Distancia-se da dor sufocante de "Disco Voador" (87),
tentativa heróica do quixote Luiz
Calanca (Baratos Afins) em dar
apoio a um Arnaldo bem mais
instável que o de 2004.
"Deve Ser Amor" é o ponto de
gravidade do novo instante, fusão
perfeita entre passado e futuro,
pão e circo, John e Arnaldo
-aqui, a essência tropicalista resta resguardada, revigorada. "Tenho certeza que é amor o que estou sentindo/ aqui, agora/ cantando e tocando pra você", canta um
Arnaldo maravilhado pelo piano
lancinante de sempre e pela nova
e macia sensação de estar de novo
reunido a seus súditos, numa pessoa só. Malucos somos nós.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Let It Bed
Artista: Arnaldo Baptista
Lançamento: independente
Quanto: R$ 12,90, nas bancas de jornal
(chega às lojas de discos dentro de 50
dias, pela distribuidora Tratore)
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