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CONTARDO CALLIGARIS
O voto radical chique
A escolha do candidato pode ser apenas uma questão de imagem do próprio eleitor
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NA ÚLTIMA pesquisa de opinião, Heloísa Helena é a candidata preferida por 20%
dos eleitores com ensino superior
(na população em geral, ela é escolhida por 10% dos entrevistados).
Talvez a decepção com os escândalos do governo seja maior entre os
sujeitos supostamente mais informados. Além disso, os eleitores que
apostam em modelos centralizados
(taxa de juros e de câmbio decididas
politicamente, questionamento das
privatizações etc.) são provavelmente mais numerosos entre os
"cultos" e "pensantes", que sempre
tendem a confiar firme no poder das
idéias que eles acham certas (doa a
quem doer). Mas há uma parte (pequena, imagino) desses 20% que parece preferir Heloísa Helena por
uma razão mais pitoresca.
Encontrei vários paulistanos, de
classe A para cima (com graduação
completa), que anunciam seu voto
em Heloísa Helena sem conhecer o
programa político e econômico da
senadora e, certamente, sem simpatizar nem um pouco com seu moralismo em matéria de costumes.
Saindo de um jantar em que duas
comensais declararam seu voto pela
senadora, um amigo comentou: "É a
esquerda-caviar".
A expressão "esquerda-caviar" foi
lançada na França, na época de Mitterand, para estigmatizar os gostos
luxuosos de intelectuais, altos funcionários e simpatizantes do governo socialista: "São socialistas e comem caviar?".
Ora, contam que, um dia, um jornalista perguntou a Léon Blum (primeiro-ministro socialista francês nos anos 30): "Como o senhor pode
ser socialista, visto que, por sua origem e cultura, seus gostos são afastados dos gostos do povo?". Blum teria respondido: "Sou socialista porque não gosto do povo". Antídoto contra o populismo: não somos socialistas por acharmos que a comida a quilo seja a melhor do mundo, mas
por querermos que todos possam
degustar a cozinha de Alex Atala.
Mas o fenômeno "HH xodó dos
Jardins" não evoca apenas a esquerda-caviar. Em 1970, em "Radical
Chique" (um dos ensaios fundadores do "novo jornalismo"), Tom
Wolfe descreveu uma festa organizada por Leonard Bernstein (o compositor e diretor de orquestra) para
levantar fundos em favor dos revolucionários das Panteras Negras.
Convidar Stokely Carmichael ou
Angela Davis e manifestar-lhes
apoio era, para a "inteligentsia" nova-iorquina da época, uma excentricidade elegante.
Na festa radical chique, revolucionários e extremistas têm uma vantagem sobre capas Prada, bolsas
Louis Vuitton ou vestidos Armani:
eles odeiam seus anfitriões. É óbvio
que é radicalmente chique usar, como cachecol, um bicho vivo e venenoso.
A turma radical chique:
1) evita pensar em soluções efetivas para os problemas do país (nada
de discursos, que são chatos e estragam a festa);
2) curte as experiências exclusivas ("Sabe quem estava na minha
festa?") e cultiva uma imagem aventureira de si mesma (a presença do
convidado revolucionário afirma
que o anfitrião, contra todas as aparências, não é um integrado);
3) cultiva o autodesprezo para absolver-se de sua culpa social (no caso, nem preciso me odiar por ser integrado, pois meu convidado se encarrega disso).
Na falta de Panteras Negras, a turma radical chique pode escolher
candidatos intelectuais da pesada
(melhor se forem ex-exilados). Fernando Henrique e José Serra, em
outras épocas, poderiam ter sido xodós do radical chique brasileiro;
ninguém leria seus livros, mas seria
elegante tê-los numa festa, também
porque, supostamente, eles desprezariam a futilidade de seus anfitriões. Sem dúvida, a turma radical
chique gostava do Lula barbudo e
escabelado do começo. Hoje, perdida a aparência de metalúrgico antiburguês, Lula não é mais chique.
Quanto a Alckmin, médio, invisível, animado por lugares comuns religiosos, ele é tudo o que o radical
chique não quer ser ou avizinhar na
vida.
Heloísa Helena é, hoje, a escolha
perfeita. Ela odiaria servir de decoração na festa radical chique, mas,
por isso mesmo, é a convidada ideal.
A turma radical chique deve ser
eleitoralmente pouco significativa,
mas ela nos lembra que, numa sociedade narcisista, a escolha do candidato é também uma questão de
imagem. De imagem, quero dizer,
do eleitor: alguns decidem seu voto
como escolhem sua roupa.
PS. A edição mais recente do ensaio de Tom Wolfe está em "Radical
Chique e o Novo Jornalismo", livro
lançado em 2005, pela Cia. das Letras. O leitor também pode se divertir (bastante) com os quadrinhos de
Miguel Paiva ("Livro do Pensamento da Radical Chic", Record).
ccalligari@uol.com.br
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