|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
THIAGO NEY
A música do mundo
Em seu segundo disco, a cantora M.I.A. se apropria como ninguém do "maldito" termo "world music"
"EU ODEIO world music."
Assim David Byrne iniciava seu furioso ataque à
generalização criada em torno do
termo "world music". O longo texto
foi publicado pelo "New York Times" em outubro de 1999.
A expressão maldita surgiu em algum lugar dos anos 80, entre o lançamento de um disco de batuque de
Paul Simon e uma viagem exótica de
Peter Gabriel. Serve para abrigar
com condescendência artistas de lugares exóticos como Mali, Bulgária,
Camboja e, claro, Brasil.
"World music" refere-se a tudo e a
nada ao mesmo tempo. Música de
caráter genérico, e é isso que tirou a
paciência de David Byrne.
Pois o termo "world music" ganhou nova conotação com "Kala", o
segundo álbum de M.I.A., lançado
há pouco no exterior.
Nascida na Inglaterra e criada no
Sri Lanka, M.I.A. faz em "Kala" o que
ela apenas ensaiou em "Arular", o
disco anterior.
"Kala" é uma volta ao mundo: ragga, funk carioca, bhangra, rap, música africana, Baltimore club, indie
rock, pop dos anos 80... O que faz de
M.I.A. não uma caricatura, mas uma
artista única, é o fato de ela utilizar
essas referências não como um fim
em si, mas como ingredientes para a
sua própria música: o electro.
M.I.A. não usa timbres indianos
como elementos deslocados -na
faixa "Bamboo Banga", que abre o
disco, esses timbres estão tão intrínsecos à música quanto as batidas
eletrônicas quebradas. E mais: a
canção também faz referência a
"Roadrunner", canção clássica de
Jonathan Richman (da banda americana Modern Lovers).
Em "Jimmy", ela utiliza batidas
synth-pop que remetem ao pop dos
anos 80 -e é, também, uma adaptação de uma antiga trilha de um filme
de Bollywood.
As referências estão por toda a
parte. Em "$20", M.I.A. faz citação a
"Where's My Mind", clássica faixa
dos Pixies, em meio a efeitos e barulhos diversos.
Esse clima cosmopolita de "Kala"
certamente foi criado pela decisão
de M.I.A. de chamar uma série de
produtores para ajudá-la a confeccionar o álbum. Estão no disco, entre outros, Diplo, Timbaland e, principalmente, o inglês Switch, um dos
mais criativos DJs do mundo.
"Bird Flu", "Boyz", "XR2"... M.I.A.
vai despejando batidas poderosas.
Curiosamente, o melhor de "Kala"
está em sua faixa mais melódica,
"Paper Planes". É quase uma balada,
em que M.I.A. canta devagar, acompanhada por um coral de crianças.
Um rap climático, decorado por sintomáticos barulhos de armas.
O termo "world music" nunca foi
tão apropriado.
O DJ e produtor carioca Sany Pitbull
é outro que faz bom uso da "world
music". Com técnica perfeita, seus
sets misturam funk carioca, rock e
pop. Ele acaba de tocar na Finlândia,
no Pori Jazz, um dos maiores festivais de música da Escandinávia. É isso: funk carioca na Finlândia...
Dê uma olhada no vídeo. No YouTube, digite Sany Pitbull. E veja o
que ele faz com um sampler MPC.
thiago@folhasp.com.br
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Música: Lançamentos mostram a resistência do reggae Índice
|