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Crítica/teatro/"Foi Carmen"
Peça inspirada no butô patina na obviedade
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O mito é uma das matérias-primas do teatro.
"Foi Carmen", de Antunes Filho, é uma tentativa de
depurar a mitologia acumulada
em torno de Carmen Miranda,
a partir de inspiração no butô
de Kazuo Ohno. Com estrutura
de poema cênico, emancipado
da literatura e da ficção, chega a
alçar alguns voos, mas acaba
patinando na redundância e na
obviedade.
O butô é uma contribuição
japonesa da segunda metade do
século 20 às artes performáticas. Aciona um "corpo morto",
metáfora lancinante da destruição provocada pelas bombas atômicas lançadas sobre o
Japão. Na vertente encarnada
por Ohno evoca memórias pessoais, como a de uma bailarina
argentina observada por ele na
juventude.
Antunes Filho parte dessa
referência para conectar "La
Argentina" de Ohno com o
grande ícone pop da cultura
brasileira, a "pequena notável".
No início sugere a infância da
menina portuguesa que cresceu no Brasil, e conta com a
simplicidade eloquente da
atriz Paula Arruda para construir um discurso cênico seco e
impactante.
A seguir surge a figura do
"malandro", sustentada na precisão corporal e vocal de Lee
Thalor. Ele fala, numa língua
inventada, que ironiza a diluição causada pelo sem número
de lendas acumuladas sobre a
vida e obra de Miranda. Depois,
no que se revela o momento
mais intenso do espetáculo, caminha celeremente em círculos e pode apresentar um virtuoso domínio de seu corpo em
breques bruscos que, antes de
sugerirem os chavões desgastados de um passista de samba,
remetem de fato ao butô.
Na sequência, a desconstrução de um arquétipo esgotado
passa a dar lugar aos clichês.
Emily Sugai caracterizada no
figurino típico da cantora, mas
com o rosto vedado por um pano negro, quer fazer butô.
Não vai além, contudo, de gestos caricaturais. Em seguida,
uma "passista" atende ao imaginário popular de uma brasilidade orgulhosa.
O problema não é essa concessão à interatividade com o
público, em um espetáculo que
vinha distante das referências
óbvias. Há só que lamentar que
a veia radical que o encenador
conecta em alguns momentos
não se mantenha, e arrefeça-se
o brilho de um trabalho que coroa uma vida de experimentação. Mesmo desigual, "Foi Carmen" deve ser visto pelos que
acreditam nas potências de
uma cena poética.
FOI CARMEN
Quando: ter., às 21h; até 29/9
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc
Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel.
0/11/3234-3000)
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10
Classificação: não recomendado a
menores de 14 anos
Avaliação: regular
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