São Paulo, segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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Crítica/teatro/"Foi Carmen"

Peça inspirada no butô patina na obviedade

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O mito é uma das matérias-primas do teatro. "Foi Carmen", de Antunes Filho, é uma tentativa de depurar a mitologia acumulada em torno de Carmen Miranda, a partir de inspiração no butô de Kazuo Ohno. Com estrutura de poema cênico, emancipado da literatura e da ficção, chega a alçar alguns voos, mas acaba patinando na redundância e na obviedade.
O butô é uma contribuição japonesa da segunda metade do século 20 às artes performáticas. Aciona um "corpo morto", metáfora lancinante da destruição provocada pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão. Na vertente encarnada por Ohno evoca memórias pessoais, como a de uma bailarina argentina observada por ele na juventude.
Antunes Filho parte dessa referência para conectar "La Argentina" de Ohno com o grande ícone pop da cultura brasileira, a "pequena notável". No início sugere a infância da menina portuguesa que cresceu no Brasil, e conta com a simplicidade eloquente da atriz Paula Arruda para construir um discurso cênico seco e impactante.
A seguir surge a figura do "malandro", sustentada na precisão corporal e vocal de Lee Thalor. Ele fala, numa língua inventada, que ironiza a diluição causada pelo sem número de lendas acumuladas sobre a vida e obra de Miranda. Depois, no que se revela o momento mais intenso do espetáculo, caminha celeremente em círculos e pode apresentar um virtuoso domínio de seu corpo em breques bruscos que, antes de sugerirem os chavões desgastados de um passista de samba, remetem de fato ao butô.
Na sequência, a desconstrução de um arquétipo esgotado passa a dar lugar aos clichês. Emily Sugai caracterizada no figurino típico da cantora, mas com o rosto vedado por um pano negro, quer fazer butô. Não vai além, contudo, de gestos caricaturais. Em seguida, uma "passista" atende ao imaginário popular de uma brasilidade orgulhosa.
O problema não é essa concessão à interatividade com o público, em um espetáculo que vinha distante das referências óbvias. Há só que lamentar que a veia radical que o encenador conecta em alguns momentos não se mantenha, e arrefeça-se o brilho de um trabalho que coroa uma vida de experimentação. Mesmo desigual, "Foi Carmen" deve ser visto pelos que acreditam nas potências de uma cena poética.


FOI CARMEN

Quando: ter., às 21h; até 29/9
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/11/3234-3000)
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10
Classificação: não recomendado a menores de 14 anos
Avaliação: regular


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