São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 2008

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Crítica/"Procedimento Operacional Padrão"

Morris cria perturbador ensaio sobre a gênese do mal

Documentário revê fotos de tortura no Iraque, mas faz merchandising estranho

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Os filmes de Errol Morris costumam se apropriar de um episódio ou de um personagem para desenvolver idéias que vão além do "objeto" explorado. Morris não quer defender uma tese, mas provocar reflexão a partir de alguns fatos. Para tanto, recorre a ferramentas típicas do cinema documental (a entrevista, a reconstituição), mas não almeja um efeito realista ou pseudo-realista. Seus filmes são assumidamente cerebrais, situados em outro campo que não é nem o da reportagem nem o do "cinema-verdade".
"Procedimento Operacional Padrão" não é diferente. O episódio em questão são as torturas e abusos realizados pelos soldados americanos na prisão de Abu Ghraib, durante a Guerra do Iraque. Essas torturas foram documentadas pelos próprios soldados, armados com máquinas fotográficas digitais. As imagens produzidas "vazaram" e provocaram escândalo. O episódio de Abu Ghraib ganhou um contorno todo especial no contexto de uma guerra de imagens controladas, em que pouco se viu de suas conseqüências físicas (ao contrário da Guerra do Vietnã, por exem-plo). A guerra que se pretendia etérea ganhou corporalidade.
Morris alterna entrevistas com os soldados envolvidos no episódio a análises detalhadas das fotos, construindo um perturbador ensaio sobre a banalidade do mal e a natureza das imagens digitais. Por que aquelas fotos foram tiradas? Arrogância de quem acha que nada vai acontecer com eles? Desejo insconsicente (ou não) de que aquelas barbaridades fossem descobertas? A pergunta mais forte, no entanto, é a seguinte: por que uma das meninas que participa das ações sempre aparece sorrindo e com o polegar em riste, em sinal positivo, diante das situações mais constrangedoras e bárbaras?

Ruídos prolongados
Existem, entretanto, dois elementos estranhos que não poderiam passar em branco. São detalhes que acabam como ruídos no fim da projeção, principalmente para quem conhece a obra de Morris.
Um deles é de ordem puramente formal e diz respeito à música. A trilha sonora de Philip Glass sempre foi um dos elementos fundamentais na construção da atmosfera dos filmes de Morris, mas em "Procedimento Operacional Padrão" o músico foi substituído por Danny Elfman, que tenta simular o minimalismo de Glass, sem o mesmo efeito. O outro ruído está no "conteúdo". Vemos o imenso logotipo da Sony Pictures Classics preceder a projeção do filme, e pouco depois sabemos, pelo próprio documentário, que parte das fotos de Abu Ghraib foram tiradas com câmeras Sony. Graças às informações armazenadas pela tecnologia digital, foi possível reconstituir os acontecimentos com precisão e determinar quem participou deles. Por mais que não tenha sido intencional (a Sony Classics já distribuiu outros filmes de Morris), esse detalhe dá ao filme uma incômoda leitura publicitária. Este seria o mais estranho "product placement" que se poderia imaginar.


PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO
Produção: EUA, 2008
Direção: Errol Morris
Onde: estréia nos cines Espaço Unibanco Augusta e Unibanco Arteplex
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom



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