São Paulo, sábado, 31 de outubro de 2009

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LIVROS

Crítica/"Fascismo de Esquerda"

Ensaio analisa parentesco entre fascismo e comunismo

Jonah Goldberg diz que assalto à liberdade individual não começou no século 20

JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA

Em ciência política, existem dois tipos de livros que interessam: os originais e os importantes. Os originais alteram a nossa percepção do fenômeno político: "O Príncipe", de Maquiavel, "Leviatã", de Hobbes, e "Sobre a Liberdade", de Stuart Mill. Mas a ciência política não se limita a livros originais. Também existem livros importantes, que relembram verdades esquecidas, como "Fascismo de Esquerda". Nada do que Jonah Goldberg afirma é original. Mas tudo é importante.
Quais as teses de Goldberg? A primeira relembra que o "fascismo" é um fenômeno de "esquerda", e não de "direita". O argumento, longe de polêmico, é cada vez mais consensual.
Se "direita" e "esquerda" emergem na Revolução Francesa como conceitos espaciais e ideológicos, e se a Revolução Francesa deságua em Robespierre e no Terror (primeira experiência totalitária da história moderna), não é novidade que "fascismo" e "comunismo", filhos bastardos de Rousseau e de Marx, são "religiões políticas" que se situam à esquerda.
No fundo, "fascismo" e "comunismo" são ideologias revolucionárias e utópicas apostadas em refundar a natureza dos homens rumo a um estado de perfeição. E a vocação teleológica dessas duas tiranias implica, como se viu no século 20, a substituição e a liquidação do "império da lei" e da liberdade individual, dois valores caros ao liberalismo clássico.
Existe uma segunda tese que importa lembrar: o assalto à liberdade individual não começou com os totalitarismos do século 20. As sementes do pensamento fascista e a apologia da planificação da sociedade pelo Estado já se encontravam no século 19, sobretudo na Alemanha. Lênin, Mussolini ou Hitler não apareceram por acaso.
Os Estados Unidos também não escaparam a um clima "progressista" que revelava traços do fascismo. Com Woodrow Wilson e na Primeira Guerra, a República conheceu o uso maciço da propaganda e da censura, ao mesmo tempo em que se desenvolvia o tipo de mentalidade coletivista que seria prolongada por Roosevelt.
A juntar a Wilson e a Roosevelt, Goldberg analisa também o "culto à personalidade" (e à juventude) promovido por John F. Kennedy, o projeto assistencialista da "Grande Sociedade" de Johnson e até o "conservadorismo compassivo" de George W. Bush. À primeira vista, pode parecer exagerado pretender ver nos democratas (e em Bush) puras encarnações do fascismo europeu. Goldberg, felizmente, não comete esse erro grosseiro.
Goldberg sabe que, na violência e na desumanidade, os totalitarismos do século 20 não tiveram paralelo com nenhum momento da história americana. Porém, o objetivo de Goldberg é mais sutil: ele reafirma, tal Friedrich Hayek em 1944, que a servidão começa quando os indivíduos permitem que o Estado regule e determine o que somos e fazemos.
É esse "fascismo simpático", hoje disseminado pelo Ocidente, que normalmente precede versões mais antipáticas.


FASCISMO DE ESQUERDA: A HISTÓRIA SECRETA DO ESQUERDISMO AMERICANO

Autor: Jonah Goldberg
Tradução: Maria Lucia de Oliveira
Editora: Record
Quanto: R$ 59,90 (546 págs.)
Avaliação: ótimo




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