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"Novela é feita para vender sabonete"
Gilberto Braga defende dramaturgia da televisão como gênero literário
Autor diz que não se surpreende com sucesso da reprise de "Vale Tudo", maior audiência da TV paga no momento
CRISTINA GRILLO
DO RIO
Às vésperas de completar
65 anos -seu aniversário é
amanhã- Gilberto Braga se
prepara para entrar, mais
uma vez, em período quase
monástico.
O autor de obras que se tornaram ícones da dramaturgia nacional, como o megassucesso "Vale Tudo" (1988)
-que, reprisado pelo canal
pago Viva, vem batendo recordes de audiência-, estreia nova trama em janeiro.
"Insensato Coração" vai
substituir "Passione" na Globo, às 21h. Por enquanto,
Braga consegue manter a rotina, com sessões de musculação e passeios de bicicleta
pela zona sul carioca, onde
mora, mas, em janeiro, entrará em isolamento total. "Não
vivo, só trabalho."
Enquanto isso, ele revê trechos de "Vale Tudo", que paralisou o país há 22 anos em
torno da pergunta: "Quem
matou Odete Roitman?".
O sucesso da reapresentação não o surpreende. "É natural. A novela é boa", diz. O
fato de ser a maior audiência
da TV paga no momento,
sim. "Há excelentes programas na TV paga e, afinal de
contas, é uma reprise."
O escritor não gosta de falar sobre temas políticos. "O
fato de meu trabalho me dar
tanta visibilidade não faz
com que minha opinião tenha relevância. Sou um escritor de ficção", afirma.
Mas dá sua avaliação sobre o Brasil. "Acho tudo caótico. Desde que nasci, só não
senti isso no governo Juscelino [Kubitschek, presidente
entre 1956 e 1961]. O país é
realmente complicado."
MACHISMO
"Vale Tudo" não é, no entanto, seu trabalho favorito.
Da carreira iniciada em 1973
e que inclui obras como "Escrava Isaura" (1976) e "Dancin" Days" (1978), ele prefere
as minisséries "Anos Dourados" (1986) e "Anos Rebeldes" (1992).
Nem tampouco seu vilão
favorito é Maria de Fátima
Accioli, a carreirista interpretada por Glória Pires, ou a milionária Odete Roitman (Beatriz Segall), autora de frases
como "O Brasil é um país de
jecas. Ninguém aqui sabe
usar talher de peixe".
Braga prefere Felipe Barreto (Antonio Fagundes), o
inescrupuloso cirurgião de
"O Dono do Mundo" (1991),
que, por conta de uma aposta, tira a virgindade da noiva
de um de seus empregados.
"Achei que estava criando
um monstro repugnante,
mas o público ficou do lado
dele", relembra. Grupos de
discussão, recurso usado pela TV Globo para avaliar programas entre telespectadores, apontavam a mocinha, a
professora Márcia (Malu Mader), como "uma galinha",
enquanto Felipe Barreto estava "cumprindo seu papel".
"Foi a reação de uma sociedade machista", avalia o
autor. Por ironia do destino,
outra professorinha, a Helena da novela "Carrossel",
exibida pelo SBT, começou a
arrancar nacos da audiência
de "O Dono do Mundo".
A trama foi mudada. Arrependido, o vilão se transformou em um médico bondoso. "Corrigir foi muito complicado. Escrevi quase toda a
novela deprimido", diz. "Novela é feita para vender sabonete. A ação é interrompida a
cada dez minutos para os comerciais. É diferente de um
romance."
Braga, no entanto, defende que os trabalhos escritos
para a TV são obras literárias
-apresentou esse ponto de
vista na Academia Brasileira
de Letras e foi aplaudido. O
autor diz não se sentir incomodado com alguns setores
intelectuais que os consideram um subproduto cultural.
"Todos têm o direito de
pensar o que quiserem. Se alguns intelectuais soubessem
o que eu penso das obras deles acho que iam ficar aborrecidos", afirma.
NOVO VILÃO
Felipe Barreto pode perder
o posto de vilão favorito para
um personagem, em fase de
criação. "É possível que o de
Fábio Assunção, em "Insensato Coração" o supere", diz.
A trama, escrita com Ricardo Linhares, já trouxe uma
dor de cabeça para o autor.
Escalada para um dos
principais papéis da trama, a
atriz Ana Paula Arósio foi
afastada por faltar às gravações, e substituída por Paola
Oliveira. Braga não quer falar
sobre o assunto.
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