São Paulo, Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1999


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TEATRO
Zé Celso e Uzyna Uzona encenam espetáculo na virada do ano e público faz o Coro
"Bacantes" cria o "bug do teatro"

VALMIR SANTOS
free-lance para a Folha

O diretor José Celso Martinez Corrêa, 62, volta a passar a virada do ano em cena, literalmente. Como no início da década de 70, em "As Três Irmãs", de Tchecov, ele vira a meia-noite de hoje no "corredor" do teatro Oficina. Desta vez, revisitando "As Bacantes", de Eurípedes.
O "bug do teatro do milênio", como define Zé Celso, num dos lampejos de praxe, serve de contraponto, sobretudo na cidade de São Paulo, ao estresse milenarista que se criou em torno da chegada do ano 2000 (o novo século, como se sabe, só virá em 2001).
"A melhor maneira de transformar a ansiedade coletiva é celebrar o comunismo, no sentido do encontro comum, da festa", explica o diretor. À encenação original de "As Bacantes" (95), ele agrega um "grande elenco". Trata-se da participação especial do público no papel de Coro, o mesmo público que lotou as sessões natalinas de "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues.
Como no teatro grego -e o poeta Eurípedes (486-406 a.C.) está em sua gênese-, a multidão surge com poder de interferência concreta no ritmo da peça. Os espectadores vão interpretar ditirambos, os cânticos rituais que pontuam o espetáculo (leia quadro ao lado). "São cantos quebrados na nuca e nos quadris, precursores milenares do samba, do rap, dos coros de Dionísio, o deus do teatro", explica Zé Celso.
A poeta e dramaturga Beatriz Azevedo prepara a música com sua banda há duas semanas. Aconteceram até ensaios para os ditirambos.
Além da "multidão" anunciada, "As Bacantes" do réveillon promove o encontro de parte do elenco original, "os dinossauros", como brinca o diretor, com os novos atores de "Boca de Ouro". É a chance de rever, por exemplo, Leona Cavalli, Denise Assunção, Fransérgio Araújo e Vera Barreto Leite. A octogenária Renée Gumiel também faz participação especial.
"Num momento em que só se fala em alta tecnologia, é fundamental incorporar a energia do teatro a esse novo tempo", argumenta Leona, 28. O ator Marcelo Drummond, 37, no papel-título em "Boca de Ouro" e deus Dionísio em "As Bacantes", confessa que "está a fim de festa", pura e simplesmente. Diz que ficou empolgado com o ensaio da última terça, por conta do envolvimento espontâneo "de um monte de gente que não tem a menor experiência em teatro".
Zé Celso não sabe estimar o número de pessoas (o elenco fixo soma 20 intérpretes). Mas avisa que a participação do público é irrestrita. Mesmo quem não ensaiou poderá engrossar o Coro. "Aqueles que trouxerem um bastão e uma coroa de Hera estarão perfeitos", dá a dica, citando a mulher de Zeus.
Apesar do tom de improviso, a encenação seguirá a "linha dorsal" da história de Eurípedes, com cerca de quatro horas de duração na versão Uzyna Uzona. Haverá uma cena especial minutos antes da meia-noite. "O texto vai brincar com o eterno retorno, o círculo, a "Roda Viva" dos zeros", diz o diretor, em uma referência à histórica montagem de 68.
Em tempo: das peças de maior projeção religiosa do autor grego, "As Bacantes" narra o conflito entre o deus Dionísio, filho de Zeus, e Penteu, rei de Tebas. Este, ao renegar a divindade de Dionísio, também conhecido como Baco (deus do vinho), é "estraçalhado" pelas bacantes.
"A gente provoca o mesmo delírio que o padre Marcelo. A cerimônia dele é parecida com a celebração dionisíaca do canto dançado, emocionado. Só que o nosso Marcelo pode rebolar à vontade", compara Zé Celso.


Peça: As Bacantes Autor: Eurípedes Quando: hoje, 22h Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. 0/xx/11/ 3106-2818) Quanto: R$ 20


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