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Crítica - drama
Ilusão dramática não se impõe em peça que oferece fiapos de ficção
Espetáculo "O Líquido Tátil" é parceria do grupo mineiro Espanca com o dramaturgo argentino Daniel Veronese
É LOUVÁVEL O SEU APETITE PELO RISCO E PELA EXPERIMENTAÇÃO, MAS ESTE EM SI NÃO É GARANTIA DE DENSIDADE
LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHADrama em crise? "O Líquido Tátil", espetáculo do grupo mineiro Espanca gerado a partir do encontro com o dramaturgo argentino Daniel Veronese, problematiza a representação teatral e investe na desmontagem de seus procedimentos. O realizado fica aquém das expectativas.
Veronese é um dramaturgo e encenador que se tornou um dos nomes dominantes na cena argentina contemporânea. Escreveu "O Líquido Tátil" em 1997, refletindo um momento de revisão de textos clássicos e de exploração cênica de fissuras na convenção dramática.
Essa mesma tendência se refletiria no primeiro espetáculo do Espanca, "Por Elise", de 2005, com texto e direção da também atriz Grace Passô, que revelaria o grupo.
Em 2011, o Espanca mergulhou na obra de Veronese, o que resultou na atual montagem sob a direção do próprio autor.
A encenação propõe um jogo em que o pressuposto básico é a precariedade. Os três intérpretes --Passô, Gustavo Bones e Marcelo Castro-- estão em um arremedo de cenário à espera do público para contar uma história banal de pretensos artistas decadentes.
A trama comportaria até um registro realista, mas a fricção entre o texto original e procedimentos desviantes, habituais ao grupo mineiro, colabora para impedir que a ilusão dramática se imponha. Ao mesmo tempo, a qualidade dos desempenhos garante a atenção e o engajamento lúdico nos fiapos de ficção que se oferecem.
Uma ex-atriz especializada em teatro russo e obcecada por cães, seu marido, um amante do teatro traumatizado com o cinema e com os cachorros, e seu cunhado trocam comentários pueris entre si e com o público. Mais do que o que dizem, é o desenho de suas ações físicas o que os define.
Tudo poderia passar por uma quase comédia inconsequente se não fosse a parte final, em que a fábula é retomada com imagens projetadas. Neste resumo da ópera, que sintetiza os temas tratados e coroa a proposição estética em curso, transparecem os limites da realização.
O filme, ironicamente tachado de "expressionismo russo" e não menos precário que as cenas anteriores, prepara, de fato, um desfecho convencional.
É estimulante ver artistas brasileiros e argentinos com tanto potencial operando juntos. É louvável o seu apetite pelo risco e pela experimentação, mas este em si não é garantia de densidade e, conclui-se que, juntos, o Espanca e Veronese apenas caminharam em terreno raso.