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Apropriação feita por Beyoncé é "café pequeno"

ALASTAIR MACAULAY
DO “NEW YORK TIMES”

Será que você tem certeza de quem coreografou todas as versões do "Quebra-Nozes"?

No ano passado, observei que mais de 12 produções americanas incluíam o "pas de deux" da Dança da Fada Açucarada que Lev Ivanov coreografou para a versão original. Mas apenas uma delas deu crédito a Ivanov.

Devemos qualificar isso de plágio? Pergunto porque, em outubro, a coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker observou que Beyoncé e sua diretora, Adria Petty, se apropriaram de sequências de dois trabalhos, "Rosas Danst Rosas" e "Achterland", no videoclipe de "Countdown".

Graças aos closes, as apropriações são inconfundíveis.

Petty disse, aludindo a De Keersmaeker: "O trabalho dela me deixou maravilhada". Ela acrescentou que lamentava o fato de o crédito não ter sido dado, porque o vídeo teria sido editado às pressas.

Petty falou: "Minha esperança era que isso colocasse o trabalho dela (De Keersmaeker) diante de muitas pessoas que, de outro modo, não o teriam conhecido".

A primeira reação de De Keersmaeker foi dizer "isso é plágio, é roubo". Mais tarde, ela admitiu: "Fico feliz que talvez possa chegar a um público de massas, que performances de dança como essas nunca conseguiriam".

Sinto admitir que não consigo me comover com o assunto: os movimentos simples coreografados por De Keersmaeker não possuem nenhuma originalidade especial.

Mas o fato é que a coreografia de De Keersmaeker segue a tradição de muitos coreógrafos pós-modernos, na medida em que não se preocupa em criar movimentos originais, mas recontextualizar movimentos já comuns.

Não nos equivocamos quando consideramos George Balanchine um dos mais originais dos coreógrafos, mas também podemos entender porque ele gostava de enfatizar o outro lado: a montagem, e não a invenção, é a tarefa básica do coreógrafo.

Comparada com os trechos de Ivanov não reconhecidos em muitas produções americanas de "Quebra-Nozes", a questão de Beyoncé e De Keersmaeker é café pequeno.

Vários dos pas de deux da Dança da Fada também incluíam sequências da versão de 1954 de Balanchine.

Hoje ela é vendida como "O 'Quebra-Nozes' de George Balanchine", mas pelo menos duas partes importantes não são dele, que não fez segredo do fato de ter se apropriado de cenas da versão que dançava na juventude, na Rússia.

Mas os agradecimentos tendem a passar por cima desse fato. Pelo menos dois outros balés listados como sendo de Balanchine incluem danças criadas por Marius Petipa.

Essas apropriações, muito maiores do que as cometidas por Beyoncé, acontecem com frequência no balé.

Um coreógrafo famoso que de fato gritou "ladrão!" foi Jules Perrot. Em 1861 ele levou Petiba ao tribunal, acusando-o de "infração de copyright em coreografia".

O tribunal decidiu em favor de Perrot, concordando que a composição de uma dança "podia não obstante constituir uma composição para a qual um copyright podia existir".

Se os advogados de De Keersmaeker tivessem tentado levar Beyoncé ao tribunal, teriam argumentos muito mais fracos. A dança Perrot-Petipa era ininterrupta com música idêntica; já os trechinhos muito curtos apropriados por Beyoncé foram dançados ao som da música dela.

Na realidade, a reputação de De Keersmaeker só foi beneficiada. E a de Beyoncé, será que saiu arranhada? Nada disso. Podemos chamá-la de "apropriadora", mas nem por isso teremos menos vontade de assistir a ela.

Haveria munição legal melhor em todas aquelas produções do "Quebra-Nozes". Mas as razões pelas quais poucas pessoas perdem tempo gritando "plágio, plágio" são evidentes. Essas obras contêm muitas apropriações, mas contêm sinais maiores de montagem.

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