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Crítica ensaio

Milan Kundera desafia consensos da crítica

Nos ensaios de "Um Encontro", o escritor tcheco defende obra de Anatole France e reflete sobre a 'pós-arte'

ALCINO LEITE NETO EDITOR DA TRÊS ESTRELAS

Os amantes da literatura têm boas razões para ler a nova coletânea de ensaios do escritor Milan Kundera, "Um Encontro". A principal delas é a lição de atrevimento e liberdade intelectuais contida no livro.

Pode-se mesmo dizer que, em boa parte dos artigos, o objetivo do autor tcheco foi desafiar consensos da crítica e alguns de seus tabus.

Por exemplo, ao fazer uma inesperada defesa de Anatole France, o grande autor "fin-de-siècle", hoje praticamente esquecido.

Para Kundera, a condenação de France foi obra das vanguardas, essa "versão ideologizada" da arte moderna, e em particular de seus poetas, que abominavam a tradição do romance (no ótimo ensaio "As Listas Negras ou Divertimento em Homenagem a Anatole France").

Ele vai mais longe: os dogmáticos vanguardistas também fizeram de tudo para impedir o encontro da arte tradicional com as experiências modernas, criando uma pesada barreira entre elas --diz no texto "O Gesto Brutal do Pintor: sobre Francis Bacon".

O que veio depois foi ainda pior: "a redução da estética à linguística", a "recusa da ironia e da fantasia" e a emergência de uma "verborragia teórica barulhenta e opaca", que agora impede a arte "de entrar em contato direto, não midiatizado, não pré-interpretado, com aquele que a olha (que a lê, que a escuta)".

Para Kundera, vivemos a época da "pós-arte" e dos "procuradores" da cultura, estes especialistas interessados mais na vida do que na obra dos artistas, mais no mau cheiro do dramaturgo alemão Brecht do que em suas peças ("O que Restará de Você, Bertolt?").

Fala-se muito dos artistas, mas não se sabe mais ler seus livros, observar seus quadros, interpretar suas composições.

É preciso, portanto, salvar a música de Leos Janácek de seus críticos conservadores, tirar do esquecimento um oratório de Schoenberg e reler a literatura inovadora e menosprezada de Malaparte, tema do melhor ensaio do livro, "A Pele': um Arquirromance".

Tudo isso pode parecer um pouco nostálgico e eurocêntrico, mas não é. Milan Kundera é o primeiro a nos lembrar que Xenakis "ousou dizer à música europeia que é possível abandoná-la".

E ele mesmo dispensa, nos 26 ensaios que compõem o livro, uma forte atenção a autores não europeus, como Aimé Césaire, Gabriel García Márquez e Carlos Fuentes.

A sustentar a unidade desse livro tão variado em seus temas --e que passa ainda por Céline, Philip Roth e outros-- está a ideia de que a arte e o romance são modos privilegiados de encontro e de confronto: entre diferentes culturas, entre a imaginação e a vida, o cotidiano e a história, o maravilhoso e o banal, o passado e o presente.


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