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Depoimento

Sem nenhuma pose teatral, era suave e meiga em tudo

JANIO DE FREITAS COLUNISTA DA FOLHA

Cantoras são pessoas especiais. Pessoas, não. Artistas. Chamá-las de divas, como se fazia no passado, caiu em desuso por falta de grandeza bastante na palavra, para designar as estrelas.

Nara era uma moça que gostava de cantar. Simplesmente isso. E cantar simplesmente --como quem canta só porque gosta. Quando apareceram as primeiras oportunidades de se mostrar cantando, não foi uma cantora que se mostrou. Foi uma pessoa, uma moça que cantava.

Cantando de um jeito muito especial: simplesmente cantando. Nenhuma pose ensaiada, nada de olhares e sorrisos fabricados no espelho. A voz suave, uma espécie de meiguice sonora, vinha natural e carinhosa da suavidade que era a própria Nara.

Quando chegou, sem demora, a oportunidade do primeiro disco, nada da excitação e dos ares de ocasião extraordinária, típicos da situação.

Nara chamou uns poucos conhecidos no fim de tarde de um domingo --Thereza Aragão, Gullar, eu e, não me lembro, mais alguém-- para uma conversa de escolhas das músicas.

Duas horas de conversa com toda a naturalidade. Como se fazer um disco profissional, para gravadora importante, fosse uma banalidade na vida de Nara. E na nossa.

Dias depois, Nara me pediu para fazer a capa de "Opinião de Nara" (1964). Gostara das suas fotos que fiz, suponho que em ensaio da peça-show "Opinião".

Montei com duas fotos diferentes o mesmo modelo de capa --quase toda branca, para destacar-se no mundaréu de cores das lojas de discos. Nara não escolheu a minha preferida, e lembro do que disse: "Me mostra diferente das fotos que sempre fazem de mim".

Usei a outra foto na contracapa, mas deu-se o desastre. Perderam esta parte da arte-final e encheram o espaço com uma bagunça de textos.

O sucesso de Nara foi rapidíssimo. Mas sucesso da moça que gostava de cantar. Nara não passou a ser "a cantora". Nada de roupas feitas para os shows, penteados e maquiagens arquitetônicos, arranjos decorativos no camarim. Nenhuma pose teatral. Todo o jeito só do jeito dela. Suave em tudo, em tudo meiga.

A capa do disco seguinte, "O Canto Livre de Nara" (1965), teve também seu incidente. Desta vez, o preto predominava (as lojas de discos estavam cheias de capas brancas). E a foto, no centro, que seria em cor esmaecida, foi impressa em preto. Economias ordinárias, para poupar a terceira cor.

A novidade do segundo incidente foi gerar um mistério. Há poucos anos, Ruy Castro me mostrou a edição japonesa desse disco, em CD mais ou menos recente. E lá estava a capa, tal como na arte-final, em preto, palavras em vermelho vivo, foto em sépia esmaecido.

Não entendi como isso pôde acontecer. Até que, puxando lembranças para atender ao pedido desse texto, revi na cabeça a arte-final emoldurada por Nara.

E logo com vidro e a leve moldura quebrados por ela, diante de mim e do nosso amigo Dico Wanderley, ao sentar na poltrona sem notar que o quadro estava sob um casaco, quase todo encoberto. O cartão não se rasgara. Segundo Dico, seria um presente para mim. Com a edição do original no Japão, não deixou de ser.

A palavra nara, para os adeptos de palavras cruzadas, significa "o inferno dos malês". Mas Nara é enlevo, e pode ser saudade.


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