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Consagração na crônica veio no fim da vida

"Bom Dia para Nascer" reúne 266 textos que Otto Lara Resende publicou durante colaboração diária para a Folha

Autor mineiro escreveu as crônicas entre 1991 e 1992; nova edição do livro foi organizada por Humberto Werneck

COLUNISTA DA FOLHA

A obra completa de Otto Lara Resende começa a ser reeditada pela Companhia das Letras.

"Bom Dia oara Nascer" reúne 266 crônicas publicadas na Folha nos anos de 1991 e 1992. Selecionados por Humberto Werneck, aparecem 72 textos a mais do que na primeira edição do livro, organizado por Matinas Suzuki Jr. em 1993.

Por décadas, Otto parece ter invejado o sucesso de seu amigo Fernando Sabino como cronista. Meio de brincadeira, meio a sério, as cartas de "O Rio É Tão Longe" voltam frequentemente ao tema.

Chateado com a demora de Sabino em responder às cartas, Otto diz que vai enviar-lhe uns US$ 50, já que o amigo parecia só escrever quando lhe pagassem...

No fim da vida, Otto deu o troco. Com sua colaboração diária para a Folha, ele se consagrou como cronista.

Reunidas, as crônicas crescem. O mesmo assunto aparece em vários textos, como se cada crônica fosse o fragmento de um ensaio maior. É o caso de sua polêmica a respeito da suposta traição de Capitu em "Dom Casmurro", que ele teimava ser fato comprovado e batatal.

Como seus contemporâneos mineiros (Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos), Otto Lara Resende tinha o gênio da amizade. Os rápidos perfis de escritores e políticos constituem, talvez, o que há de melhor em suas crônicas.

Otto parece ter sido amigo de todo mundo, mesmo de quem nunca conheceu. Fala de dom Pedro 2º como se o tivesse encontrado na esquina.

A informalidade, claro, é um dos requisitos da boa crônica. Otto levou-a até ao exagero. A meu ver, muitos dos seus textos se aproximam de uma "escrita automática", encadeando clichês numa espécie de corrida frenética contra o silêncio.

Um exemplo. "Se o carioca curte o verão, é porque há no verão o que curtir. O calor convida ao riso e à folga. Ao lazer, em suma, numa sociedade que cancelou a disponibilidade de espírito." E por aí vai. Não importa. A pontuação é assim. Telegráfica.

No meio dessa coloquialidade, o senso do bizarro, da extravagância, surge quando menos se espera: "Em Dacar não há avenida Presidente Vargas". É o mesmo gosto pelo absurdo, inofensivamente mineiro, que aparece nos adjetivos, nas metáforas, nas associações arbitrárias.

Otto conta que foi ver um eclipse na cidade de Bocaiuva, em Minas Gerais. O fenômeno atraiu, por alguma razão, cientistas de todo o mundo. "De volta ao Rio, escrevi que o eclipse tinha me parecido um elefante de circo."

A regularidade dos acontecimentos, o dia a dia do cronista, tem desses elefantes, dessas proezas de circo.

O mesmo espírito reaparece nas cartas de "O Rio É Tão Longe", especialmente as da primeira metade da coletânea, escritas de Bruxelas, na década de 1950. Há delícias de adjetivação e exemplos antológicos da arte de cutucar os amigos.

Com o passar do tempo, e em especial depois de 1964, a máquina de amizades, favores e relacionamentos importantes assume o primeiro plano, e seria um bom assunto para um estudo sociológico. Escritores, Itamaraty, esquerda e direita, pingue-pongue com o marechal Costa e Silva e uísques com Márcio Moreira Alves se alternam em discreta, mas incansável cordialidade. (Marcelo Coelho)

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BOM DIA PARA NASCER

O RIO É TÃO LONGE

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