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Aos 35, 'Poema Sujo' ganha edição de luxo

Escrita no exílio, obra em que Ferreira Gullar evoca infância e adolescência sai pela Confraria dos Bibliófilos

Tiragem, exclusiva para membros da associação, exigiu mais de 100 mil impressões manuais em serigrafia

FRANCESCA ANGIOLILLO
EDITORA-ADJUNTA DA “ILUSTRADA”

"Costumo dizer que meus poemas nascem do espanto e o que me espanta pode ser a coisa aparentemente mais banal do mundo", conta Ferreira Gullar.

"O 'Poema Sujo', porém, nasceu de circunstâncias especiais", recorda o poeta e colunista da Folha.

Escrito em 1975, no exílio em Buenos Aires, quando Gullar "tinha a impressão de que poderia desaparecer a qualquer momento", o "Poema Sujo" ganha agora edição de luxo pela Confraria dos Bibliófilos do Brasil.

Diante do temor da morte, Gullar fez a celebração da experiência, evocando a infância e a adolescência em São Luís do Maranhão. "A situação extrema" do exílio o "levou a escrever o poema, como quem faz a última coisa de sua vida". "Resgatar o vivido, naquela situação, era mais valioso que o presente."

O "Poema Sujo" foi gravado pelo poeta numa fita cassete e contrabandeado da capital argentina para o Rio de Janeiro. Ali foi regravado, transcrito, circulou por saraus, até virar livro pela José Olympio em 1976.

A nova edição, 35 anos depois da primeira, se destina só aos membros da Confraria dos Bibliófilos.

A associação criada em 1995 por José Salles Neto, dono de uma biblioteca de 22 mil exemplares em Brasília, produz tiragens especiais de títulos nacionais, custeadas pelas anuidades de seus cerca de 400 membros.

Elas são cobiçadas: nesta semana um exemplar de "O Quinze", de Rachel de Queiroz, primeiro título editado pela associação, era ofertado a R$ 3.505 na rede de sebos on-line Estante Virtual.

No caso da nova edição do "Poema Sujo", o luxo vem do aspecto artesanal: com ilustrações da artista Maria Tomaselli, foi impresso folha a folha em serigrafia, exigindo cerca de 100 mil impressões. "Foram quase dez meses de trabalho só para os serigrafistas", destaca Salles Neto.

O medo que deu origem ao celebrado poema está hoje distante e, aos 81, o coração de Gullar "segue pulsando como um relógio/ num tic tac que não se ouve", como diz o livro. De lá para cá, foram dezenas de títulos publicados e vários prêmios -entre os quais o Jabuti de poesia neste ano por "Em Alguma Parte Alguma".

A partir de "Poema Sujo", o poeta revê sua obra. Mesmo que sejam "outros poemas, nascidos de outros espantos", muito do que escreveu "de algum modo é continuação do que foi dito ali".

Para ele, porém, cada obra sempre pode ser a última. "Nunca estou escrevendo um livro de poemas. Um dia escrevo um poema, depois outro, meses depois mais um. Faz tempo que não escrevo poema algum. Nem sei mesmo se ainda vou escrever."

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