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Delírio nova-iorquino de Mario Cravo Neto tem primeira mostra

Estação Pinacoteca exibe mais de 200 imagens da época em que o artista viveu em Manhattan

Conjunto inédito vem à tona agora junto de série de imagens icônicas do fotógrafo morto há quatro anos

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Borboletas e zebras. Mario Cravo Neto, morto há quatro anos, só pensava nelas, e também num elefante, em cenas no metrô de Nova York, no açougueiro que passava com uma carcaça ensanguentada sobre os ombros, nas cortinas sopradas pelo vento, na banheira enferrujada.

Em 1969, o fotógrafo se mudou para Manhattan com a que seria mãe de dois de seus filhos, a dinamarquesa Eva Christensen, que conhecera pouco antes em Salvador.

Na ilha mais disputada do mundo, viveram como ciganos, lembra Christensen, mudando de "lugar ruim para outro pior". E nesses lugares, entre o Lower East Side e o SoHo, Cravo Neto, então com 22 anos, deu seus primeiros passos como fotógrafo, registrando um mundo em alta velocidade, congelando uma espécie de êxtase no quadro.

Estão agora na Estação Pinacoteca mais de 200 imagens dessa época, um conjunto nunca mostrado que vem à tona junto de outra série de imagens que consagraram o artista como um dos maiores fotógrafos do país.

Enquanto Nova York foi um delírio, tubo de ensaio para estabelecer seu olhar sobre o mundo, filtrado pelos experimentos com LSD e muito Jimi Hendrix --o nome da mostra, "Butterflies and Zebras", é um verso dele-- na vitrola, seu estúdio em Salvador virou a base onde tudo isso fincou pé, como a imagem sólida no papel fotográfico.

Quando chegou aos Estados Unidos, Cravo Neto tentou ser assistente de artistas como Frank Stella e Louise Bourgeois, mas ninguém quis o fotógrafo no ateliê. Foi numa casa de reparos de elevador que ele então começou a fazer seus próprios trabalhos.

Cravo Neto registrou resquícios do que via --gente passando, janelas anônimas, rostos perdidos na multidão.

"Era aquela Nova York ainda violenta", lembra Diógenes Moura, curador da mostra. "Ele se encantou com coisas distorcidas, cortes radicais. Mexia a câmera, não se preocupava com a luz."

Ou talvez sua preocupação fosse outra. Essa luz que aparece rasgando, fuliginosa, errática, tem um peso em Nova York diferente da luz controlada de seu estúdio baiano.

Entre quatro paredes, e uma lona surrada como fundo infinito, Cravo Neto fez suas imagens mais poderosas, corpos negros no fundo negro, sacrifícios do candomblé, tudo como algo sagrado.

Tem a ver com transformar o corpo em pedra, quase estátua. Numa fotografia, um homem segura diante do peito uma pedra no formato de um coração. Enquanto a rocha toma feições orgânicas, quase uma extensão do corpo, o homem que a segura nas mãos, negro, lustroso, parece feito de mármore.

Nas palavras do artista, é a fotografia como "cicatriz", "por vezes direta e intencional, às vezes acidental e ocasional". "São marcas que contam mentiras diferentes."


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