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Crítica/Música Álbum "A Curva da Cintura" só decola nas faixas bônus Voz de Arnaldo Antunes aparece deslocada em parceria com Scandurra e Diabaté RAMIRO ZWETSCHCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA São muitas cordas: só a kora -espécie de harpa- tocada pelo malinês Toumani Diabaté tem 21; o brasileiro Edgard Scandurra leva muitas outras com guitarra, cavaquinho e violões de nylon ou aço. E é na aspereza do toque dos dedos contra elas que se concentra o principal trunfo de "A Curva da Cintura". As cordas se entrelaçam em ciclos e harmonias que convidam o ouvinte a um passeio por paisagens de um mundo sem fronteiras -geográficas, musicais. A voz de Arnaldo Antunes aparece deslocada, estranha no ninho, perdida no paraíso. As letras e as melodias cantadas quase sempre borram o desenho. Faixa por faixa, o processo se repete: os instrumentos fazem o clima e o vocal o interrompe, como um estalar de dedos que arranca alguém da hipnose. É impossível não sair do transe com versos como os da música "Cara": "Cara, Tem um Cara na Sua/ Cara, Tem um Cara na Sua/ Cara, Tem Um Cara na Sua/ Ou Entra na Dele Como Ele / Ou Ele Usa a Sua Cara". Nessa hora, o cara que está escutando já saiu da dele. Não é por acaso que as melhores músicas são as quatro últimas, todas instrumentais e creditadas como bônus. É ali que o disco finalmente decola numa levitação sonora para se apreciar com os olhos fechados e deixar as harmonias projetarem imagens na mente. HERANÇA AFRO Há exceções. Em "Kaira", também empurrada para a parte final do disco, Arnaldo encontra a melodia e os versos para também fornecer elementos na construção do cenário. Aquele timbre já manjado de outros tempos e tantos outros projetos acrescenta uma dose de estranhamento que funciona como mais um fio de som no emaranhado de cordas. Em 2011, a música brasileira realçou a herança afro em alguns de seus melhores trabalhos. São exemplos discos como "Bixiga 70", "Metá Metá" e "Nó na Orelha" (do rapper Criolo). "A Curva da Cintura" ajuda a expandir esse leque, chama atenção para o som do Mali e contribui para desfazer um equívoco que envolve grande parte da mídia, além de alguns ouvintes e artistas: assim como o Brasil tem muito mais que o samba, a África vai além do afrobeat do nigeriano Fela Kuti ou o jazz etíope de Mulatu Astatke. É a polirritmia que faz toda diferença. Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros |
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