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Caio em pedaços

Frases picotadas de Caio Fernando Abreu estão em livro que explora seu lado 'campeão de citações nas redes sociais'; amigos criticam 'desserviço' e desrespeito à memória do autor

LUIZ FERNANDO VIANNA ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao lado de sua adorada Clarice Lispector e de seu conterrâneo Luis Fernando Verissimo, o gaúcho Caio Fernando Abreu é um dos campeões de citações nas redes sociais, sendo atribuídas a ele frases que nunca escreveu.

A Nova Fronteira resolveu explorar essa fama lançando "#Caio Fernando Abreu de A a Z", que, além de ter no título o sinal de hashtag onipresente nas redes, traz na capa o seguinte apelo: "O fenômeno do Facebook e suas frases sobre amor, amizade, paixão, relacionamento, solidão...".

Agora, as pessoas saberão quais as frases que Caio realmente criou, justifica a editora. Mas a transformação de um grande ficcionista e cronista numa espécie de autoautoajuda não convence amigos do escritor.

CURTIR E COMPARTILHAR

A queixa comum é a de que o livro não traz as fontes de onde as frases foram extraídas. Essas informações poderiam vir abaixo dos fragmentos, mas o espaço é sempre ocupado pelos verbos "curtir", "comentar", "compartilhar", como no Facebook.

"Essas citações, ou aperitivos, são indigestas, provocam vômitos antes do prato principal. É especulação literária, consumismo. Esse livro é um caça-níquel", indigna-se o escritor Gil Veloso, um dos melhores amigos de Caio.

"Ele jamais aprovaria, é um desrespeito enorme à memória de um autor sério e preocupado com o que publicava. Nem é autoajuda, é menor do que isso. Estão levando Caio para um matadouro."

Em 1996, quando o autor de "Morangos Mofados" morreu aos 47 anos em decorrência da Aids, sua carta-testamento foi aberta.

Nela delegava-se a três amigos à curadoria de sua obra: Gil Veloso responderia pelas publicações; o ator e diretor Gilberto Gawronski aprovaria as adaptações para cinema e TV; e o ator Marcos Breda filtraria o interesse pelas peças teatrais. Pouco depois, a família de Caio trouxe para si as tarefas.

Para Breda, o livro da Nova Fronteira é "apetecível para essa geração Z, que gosta de informações picotadas, mas o problema é não contextualizar essas informações, não remeter às fontes".

"Caio era muito cioso da sua escrita. Ficava bebendo hectolitros de café e fumando miríades de cigarros enquanto trabalhava duro nos textos. Ele não queria que abrissem seu baú depois de sua morte e publicassem porcarias", conta Breda.

Gawronski ressalta como o amigo ficava irritado com as publicações póstumas de inéditos da poeta Ana Cristina Cesar, que se matou em 1983.

"Ele dizia que um dia iam descobrir um poema novo na casa dela: 1 kg de feijão, 1 kg de café, 2 litros de água e não se esqueça de limpar bem o banheiro'", lembra.

"Quando eu vejo esse livro, me cai a ficha, tanto tempo depois, de que ele está morto. Pois eu não posso mais ouvi-lo dizer eu não permito', o que talvez ele fizesse. Mas, se o livro suscitar em 10% dos leitores o interesse pela obra do Caio, talvez cumpra sua função", afirma Gawronski.

Grande amiga de Caio, a jornalista Maria Clara Cacaia Jorge é menos diplomática. "O livro é cretino", diz.

Autora de "Para Sempre Teu, Caio F.", a jornalista Paula Dip classifica o lançamento como "um desserviço à literatura" do escritor.

"A obra de Caio é genial e merece ser conhecida por inteiro. Acho que livros de frases barateiam a obra, principalmente quando não citam a fonte. Fica parecendo livro feito para vender muito. Será que vale a pena?", questiona.

Claudia Abreu, irmã de Caio, acha que sim, e não vê banalização na iniciativa, tanto que a aprovou. Isto não a impede de lamentar a ausência das referências às origens das frases.

"Acho que ele estaria se divertindo muito com toda essa fama [nas redes sociais]", diz. "Ela já despertou o interesse de muita gente que, de outra forma, jamais se interessaria pela obra. Os que têm interesse além de frases soltas procuram os livros."

SENTIDO E POESIA

Presidente da Associação de Amigos do Caio Fernando Abreu, que tem um site no ar desde fevereiro de 2012, a jornalista Liana Farias diz que não gosta da ideia de fragmentar os textos de seu ídolo, pois ele era cuidadoso com o que criava. Mas vê o novo livro como positivo.

"Ele era tão bom escritor que até os fragmentos fazem sentido e têm sua poesia. O Caio não gostava da ideia de publicações póstumas, mas, se estivesse vivo, estaria produzindo muitos novos livros, e não precisaríamos recorrer a publicações como essa."


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