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Crítica - Conto

Don DeLillo flagra crises e desastres sem saída

Primeira coletânea de contos do escritor americano, autor de 'Submundo', reúne histórias escritas entre 1979 e 2011

ALCIR PÉCORA ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Anjo Esmeralda", de 2011, é a primeira coletânea de contos de Don DeLillo, escritor, ensaísta e dramaturgo, filho de italianos, crescido no bairro do Bronx, em Nova York, cenário de várias de suas histórias.

Os contos cobrem um período que vai de 1979 a 2011. O volume está dividido em três partes, que parecem mais cronológicas que estilísticas, mas admitiriam hipóteses temáticas vagas como "lugares remotos", "catástrofes" e "monomanias em suportes diversos".

Dou um esboço da coisa. Na primeira parte, há duas histórias: a primeira sobre um escritor em trânsito no Caribe que, entre idas e vindas ao aeroporto para conseguir um voo, troca de mulher e tem uma espécie de visão edênica.

A outra é sobre dois astronautas que, em meio à terceira guerra mundial, mergulham num transe mudo catalisado pela visão da Terra.

Na segunda parte, são três histórias. Uma, sobre o testemunho impreciso de um praticante de corrida no parque a respeito do rapto de uma criança; outra, em torno do pânico de uma estrangeira vivendo em Atenas diante de uma sucessão de terremotos.

Segue-se o relato que dá título, com justiça, ao volume, pois é o mais cru e tocante de todos. Narra o estupro e assassinato de uma menina de 12 anos, que vivia sozinha num lixão clandestino de material hospitalar, e cuja imagem, depois de morta, se duplica: surge num grafite na parede de um cortiço vizinho e no canto escuro de um outdoor de suco de laranja.

O último bloco abre com a história de uma mulher que visita sucessivamente um museu apenas para observar o ciclo de pinturas de Gerhard Richter sobre a morte na prisão dos jovens militantes do Red Army Faction, mais conhecido no Brasil como grupo Baader-Meinhoff.

Na sequência, vem o conto de dois universitários a confrontar hipóteses e sensações sobre o que ouvem nas aulas de lógica e o que vislumbram nas ruas, e, depois, o de um homem numa prisão para criminosos de colarinho branco, cujas filhas pequenas protagonizam um programa infantil de TV dedicado a explicar (ou encenar) a crise econômica.

O conjunto fecha com a história de um homem de memória e fala precárias, que organiza toda a sua existência em torno de seguidas sessões diárias de cinema e que, certo dia, cisma de seguir uma mulher que faz o mesmo que ele.

Essas pinceladas dos enredos talvez ajudem a perceber que, apesar da variedade dos assuntos, os contos preservam uma estranha semelhança em família. Por vezes, tão íntima que se pensa estar lendo uma novela, cujo nó enfeixa os episódios de cada um dos contos.

Mas qual pode ser esse nó de tantas pontas?

Para começar, há a construção de uma estrutura de trivialidade sobre uma situação de crise social importante. Intensificam-se os presságios de um desastre iminente, sem margem para fuga.

Quando ocorre, o evento destrutivo abre certa dobra temporal, semelhante à irrupção de um espaço onírico, mas objetivamente manifesta em imagens mórbidas, vozes longínquas, gestos descontinuados ou, enfim, obras de arte.

Embora impotentes para evitar a dor, tais irrupções funcionam como instalações conceituais no meio da catástrofe. Ou quase, pois são apenas insinuações de partilha no absurdo, perdão no crime, calma no desespero.


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