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Baixa performance alta

Celebridades invadem esse gênero atrás de aura artística enquanto performers recriam o conceito com obras sociais

SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL AO RIO

É clara a mensagem. Quando Lady Gaga apareceu quase nua em seu último clipe, conchas do mar coladas nos peitos igual à Vênus de Botticelli, resumiu também o momento atual da performance.

Na letra de "Applause", Gaga afirma: "Antes, a cultura pop estava na arte, agora, a arte está no pop e em mim."

E também em Jay Z. Com o estardalhaço habitual, o rapper lançou seu último disco se autoproclamando o "Pablo Picasso da era moderna".

Gravou um clipe na Pace, uma das mais poderosas galerias de Nova York, e arrastou até a diva da performance, Marina Abramovic, para o centro de seu picadeiro.

Muitos viram no flerte entre a seriíssima Abramovic, a pioneira da performance sofrida surgida nos anos 1970, com o rapper de correntonas douradas balangando em torno do pescoço, como fusão definitiva e transcendental entre alta e baixa culturas.

Outros viram ali uma operação de marketing explosiva e doses vultosas de oportunismo de ambos os lados.

Jay Z quer a "aura da arte" em torno de seus versos sobre tomar champanhe e viver no Louvre, e Abramovic precisa de dinheiro e promoção para fundar o que seria seu museu da performance.

Enquanto Jay Z e Abramovic dançam para as câmeras, a artista cubana Tania Bruguera mantém noutro ponto de Nova York, o bem menos glamouroso distrito do Queens, um projeto de "performance coletiva" que consiste em um centro de serviços para imigrantes ilegais.

Esse e outros trabalhos, como o do norte-americano Theaster Gates, que reformou um bairro inteiro de Chicago com projetos sociais, seriam o outro lado da performance atual, menos espalhafatoso e talvez mais engajado.

"Há uma cultura perigosa de celebridades no mundo da arte", disse Bruguera, em entrevista à Folha, durante uma passagem pelo Rio. "Isso do Jay Z não é uma performance, e Marina Abramovic forja um drama que não existe."

Daniela Labra, que esteve à frente do --extinto-- festival de performance Verbo na galeria paulistana Vermelho, concorda. "A Marina Abramovic é a Madonna das artes visuais. Já virou indústria cultural, e figuras como Jay Z e Lady Gaga trazem a esses artistas um dado de glamour."

Mas isso não incomoda a performer Berna Reale, que expõe agora no Museu de Arte do Rio e já foi tachada de "Marina Abramovic do Pará" pelas ações radicais que orquestra em Belém. Ela já foi carregada nua como uma carcaça de vaca e desfilou de focinheira sobre um cavalo vermelho pelas ruas da cidade.

"Um artista pode fazer o que quiser, não tem de ficar preocupado com o que os outros vão pensar", diz Reale. "O mundo da arte é muitas vezes um pouco mesquinho."

Mesquinho ou não, talvez o ponto seja de transição na história da performance.

Antonio Manuel, artista que em 1967 inscreveu o próprio corpo nu como obra de arte no Salão do Museu de Arte Moderna do Rio, diz que a performance se "cristalizou". "Hoje tudo se devora e se desgasta. Gaga com Abramovic para mim é uma coisa gagá."


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