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Crítica - Romance

Ficção mostra Jesus como jovem ousado, inteligente e vaidoso

'O Testamento de Maria' traz a mãe de Cristo como uma narradora que resiste a criação de seita em torno do filho

MARIA VIVE EM TENSÃO COM ESSES "AMIGOS" DE JESUS JUSTAMENTE PORQUE MENTEM, NO ENTENDIMENTO DELA, SOBRE O QUE ACONTECEU

LUIZ FELIPE PONDÉ COLUNISTA DA FOLHA

Jesus Cristo é um personagem infinito. Um clássico. A cada dia aparecem livros que pensam iluminar dimensões desconhecidas de sua vida.

A maioria não vale a pena, principalmente aqueles que tentam contar sua história de modo "chocante". Testamentos pretensamente novos repetem fórmulas antigas cheias de hipóteses escandalosas, mas pueris.

Este não é o caso do "Testamento de Maria", de Colm Tóibín. O livro é uma pérola de ficção, tendo Maria como narradora das origens do cristianismo. Realiza de modo pleno tudo o que os títulos ruins sobre Jesus tentam, mas não conseguem. Escandaliza, de certa forma, mas com a classe de quem de fato surpreende pela criação dramática.

A Maria que emerge das páginas é interessantíssima, não a santa "mater misericordiae", mas uma mulher que se bate contra a "criação" de uma seita ao redor da trágica história de seu filho.

Jesus, um jovem inteligente e ousado, às vezes vaidoso e perdido na paixão que demonstram ter por ele, fica entre uma vida de curto sucesso e fim monstruoso (o homem real) e um personagem que seus seguidores dizem que existiu, contra a firme posição de Maria em não participar da mentira que se monta diante de seus olhos.

A ação tem seu epicentro na famosa casa perto de Éfeso (hoje, Turquia), aonde Maria teria sido levada pelo apóstolo João para viver, numa espécie de refúgio.

Apesar de saber que esses "amigos de seu filho" cuidam dela (ela usufrui desses serviços com algum prazer), Maria vive em constante tensão com esses "amigos" justamente porque mentem, no entendimento dela, sobre o que de fato aconteceu.

Sua interpretação do suposto milagre da ressurreição de Lázaro é um momento alto de suas memórias da época em que o filho estava vivo e no auge do sucesso.

Ela vê Lázaro como alguém que voltou do mundo dos mortos (portanto não nega frontalmente os poderes "mágicos" do filho), mas que, por isso mesmo, traz consigo um conhecimento mortal, estranho aos vivos, que o torna um melancólico sem cura.

Lázaro parece sofrer por ser obrigado a viver entre quem não sabe o que ele sabe. Voltar da morte parece-lhe violência sem sentido.

A Maria que nos fala é uma mulher inteligente e um tanto desesperada, cansada do Deus judeu, que se sente bem ao lado de uma pagã que a ensina a adorar a deusa Artemis.


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