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Crítica - Drama
Cultura machista da Venezuela é revelada no filme 'Pelo Malo'
RICARDO CALIL CRÍTICO DA FOLHAÀ primeira vista, "Pelo Malo" parece mais um drama realista sobre o cotidiano de um país pobre visto pelo olhar de uma criança. Quase um genérico que poderia ter sido feito no Irã ou no Brasil.
Mas que, nesse caso, enfoca a vida em um cortiço de Caracas, na Venezuela.
Não demora muito, porém, para que o filme mostre o que tem de particular: o grande oponente do protagonista Junior (Samuel Lange Zambrano), será menos a pobreza do que a cultura do macho --tão latina e, mais especificamente, tão venezuelana.
Tudo que Junior quer é alisar seu longo cabelo encaracolado, vestir uma roupa bacana e posar de cantor de sucesso para a foto de sua carteirinha de escola.
Mas sua mãe, Marta (Samantha Castillo), uma segurança desempregada que luta para sustentar a família, entra em pânico com a possibilidade de que o delicado Junior seja gay, e tenta sabotar os planos do filho.
A avó Carmen (Nelly Ramos), ao contrário, incentiva o garoto. Ela suspeita que a veia artística, e mesmo uma possível homossexualidade, pode evitar que o neto tenha o mesmo destino de seu filho, vítima da violência do gueto.
Ou é macho ou é gay --algo que Junior, de 9 anos, não poderá escolher. Mas o filme dá pistas de que essa lógica binária (e primária) não é só familiar, mas também cultural.
Para os garotos, a "fantasia" mais requisitada para as fotos de escola é a de militar --lógico para um país que tinha como presidente até outro dia um tenente-coronel. Para as meninas, a de Miss Venezuela, uma tradição local.
Terceiro longa-metragem de Mariana Rondón, "Pelo Malo" revela-se bem mais interessante em seu final do que em seu começo. Ao iluminar um protagonista tão específico, termina por revelar muito sobre onde foi realizado.