Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Revista Serafina

Polanski sem romance

Samantha Geimer tinha 13 anos e queria ser atriz quando se encontrou com Roman Polanski na casa de Jack Nicholson; passados 32 anos, ela vem
a público em livro contar o que aconteceu entre ela e o cineasta, condenado por estupro

FERNANDA MENA DE SÃO PAULO

Cena 1: Cineasta famoso, tão genial quanto trágico, visita a casa de família de uma garota de 13 anos, que aspira, assim como sua mãe, ser modelo ou atriz. Ele propõe fazer um teste fotográfico com a menina para um ensaio que diz estar produzindo por encomenda da revista "Vogue Paris".

Corta.

Cena 2: Entardecer. Alto de colina nos arredores de Los Angeles. Cineasta fotografa a menina, que tenta disfarçar certa timidez. Pede que ela tire a blusa. Seus seios são tão pequenos que ela nem usa sutiã. A menina pensa: se tirar a blusa é o preço da fama, que seja. E a tira. Ele a fotografa.

Corta.

Cena 3: Dias depois. Final de tarde. Mansão de uma estrela de Hollywood. Entre um clique e outro, cineasta abre champanhe e oferece um comprimido de barbitúrico para menina. Ela aceita. Pede novamente que ela tire a blusa. Depois que tire a calça e entre numa banheira. Abandona a câmera e entra com ela.

Corta.

Essas cenas não fazem parte do enredo de um filme. São o prelúdio do episódio que enlaçou para sempre a vida de Samantha Gailey, hoje Samantha Geimer, 50, e de Roman Polanski, 80, diretor de clássicos como "O Bebê de Rosemary" (1968) e "Repulsa ao Sexo" (1965).

É ela a menina que, aos 13 anos, foi sodomizada pelo cineasta polonês, então com 43 anos, depois de uma sessão de fotos na casa de Jack Nicholson, no dia 10 de março de 1977.

Ela o seduziu? Ou ele a enganou? Houve violência? Ou tudo foi consentido? O caso suscita mais dúvidas que certezas.

Após o julgamento, o diretor ficou 42 dias preso. Depois que ele foi solto, o juiz americano, temendo uma reação pública negativa, ameaçou prendê-lo por tempo indeterminado. Polanski fugiu para a França naquela noite, em fevereiro de 1978, e nunca mais voltou aos EUA.

Durante 32 anos, Samantha ouviu, calada, todo tipo de elucubração pública sobre ela e sobre o ocorrido. Viu sua vida ser esquadrinhada, sua identidade revelada e sua imagem publicada, sem autorização, em tablóides norte-americanos e europeus. Sua história foi relatada em biografias de Polanski e num documentário de 2008. Na imprensa, foi chamada de oportunista e prostituta.

Só em 2009, quando o cineasta foi preso na Suíça e o nome de Samantha retornou ao noticiário que ela decidiu dar sua versão no livro "A Menina - Uma Vida à Sombra de Roman Polanski" (ed. Leya), que chega agora ao Brasil.

NOVA VERSÃO

"Confesso que foi difícil não dar minha versão dos fatos e assistir a todos opinando sobre algo que não haviam presenciado. Isso muito doloroso para mim e para a minha família", admite.

"Mas a prisão de Roman mudou minha atitude em relação a meu silêncio. Foi isso o que me fez, finalmente, falar." Ela só havia dado sua versão a policiais, promotores, psicólogos e a um júri.

"A publicidade em torno do caso e o julgamento foram piores para mim do que o estupro em si", revela. "Quando tudo terminou, eu voltei para casa, pensei: o que aconteceu foi ruim, mas durou dez minutos. Vou superar isso. Agora, ter de reviver aquelas cenas de novo e de novo e de novo a cada depoimento... Pior, jornalistas mentiam ou exageravam a história na tentativa de torná-la mais chocante às minhas custas", ressente-se.

Mesmo com essa exposição indesejada, a opinião de Samantha pode chocar quem acompanha o debate sobre autorização prévia para biografias no Brasil. Para ela, ninguém deveria ser proibido de escrever e publicar material sobre a vida de outra pessoa.

"Entre o direito à informação e o direito à privacidade, acho que o primeiro se sobrepõe. Se alguém se sentir difamado ou violado, pode processar o jornalista, biógrafo ou documentarista, que é responsável pela história que assina."

"Eu estive do lado da pessoa que é atingida e prejudicada, mas escolhi não me pronunciar porque achei que isso tornaria minha vida pior naquele momento. Acho que o direito à informação e a liberdade de imprensa são pilares muito importantes de uma sociedade."

ROMAN E EU

A leitura de "A Menina" afasta de Samantha a imagem de figura trágica. Seu relato daquela tarde de março passa longe de adjetivos como "horripilante", usados por terceiros para descrevê-la.

Rememora, com naturalidade: "[Ele] está tentando tornar bom para mim, eu sei, mas não é bom (...) Tudo o que ele quer é ter um orgasmo, esse pequeno espasmo que faz o mundo girar. Tomo a decisão de simplesmente deixá-lo ir em frente, quão ruim pode ser, é só sexo."

A menina cujo filme preferido era "A Dança dos Vampiros" (1967) foi descobrir anos depois que o autor do filme era o homem que havia virado sua vida de ponta-cabeça. "Imagine o quão surpresa eu fiquei!", ri ela.

Dos demais filmes de Polanski, não gosta especialmente de nenhum. "Não sou chegada a dramas nem a filmes pesados."

Depois de três décadas de diálogo apenas via advogados, um e-mail surpreendeu-a em 2009. Era o diretor que escrevia, desculpando-se por ter causado tamanho transtorno a ela durante todos esses anos. "A mensagem trouxe um grande conforto para minha família e isso fez com que eu me sentisse melhor também."

Desde então, Samantha e Polanski trocam mensagens eventuais. "É muito esquisito ter a vida tão afetada por alguém que você não conhece, estar conectado desta maneira a um estranho", diz.

"Toda vez que ele é citado, meu nome acaba emergindo, sempre como a garota de 13 anos que foi estuprada. Não temos muito em comum além da vivência daqueles momentos."

Samantha diz acreditar que o cineasta, réu confesso do crime de "manter relações sexuais ilegais" com uma criança, não tinha noção de que estava fazendo algo errado. "Hoje em dia ele compreende que foi algo ruim. Eu o perdoei há muito tempo e acho que deveriam deixá-lo retornar aos EUA. Qualquer que seja o desfecho, é tarde demais para mim. As pessoas nunca vão se esquecer do caso. Serei sempre aquela menina."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página